Guilherme BrockingtonSociedade e Educação

Racismo, William Waack e Ciência: não existe o conceito biológico de raça

Recentemente, em agosto de 2017, a pacata cidade de Charlottesville, nos EUA, foi palco de uma tragédia. Uma passeata de supremacistas brancos levou a um confronto com 3 mortos e 34 feridos. O líder da marcha, o ultra-direita Richard Spencer, frequentemente apresenta discursos racistas. Ele incita o levante de um grupo cada vez maior de americanos que saem às ruas com tochas (isso mesmo que você leu: tochas!) e símbolos da Klu Klux Klan. Eles veneram o General confederado Robert Lee, símbolo da escravidão norte americana e gritam frases como “Vocês não irão tomar nosso lugar” e “Queremos nosso país de volta”, numa clara alusão à chegada de um negro, Barack Obama, na Casa Branca. E muitos deles usam como justificativa para suas ações o conceito biológico de raça.

Um dos argumentos historicamente defendidos pelos supremacistas brancos é a inferioridade da raça negra. Até mesmo os menos xiitas utilizam argumentos de diferenças biológicas entre as raças para justificar a superioridade de quem tem a pele branca e fortalecer o conceito biológico de raça. Mas será que isso procede?

Vamos fazer um experimento de pensamento. Imagine que você se depara com duas pessoas que nunca viu na vida. Você deve, então, responder à seguinte questão: ao olhar para elas, qual é primeira característica que utiliza para separá-las por suas raças?

Caso tenha respondido “a cor da pele” você se encontra entre a maioria dos indivíduos. Para uma série de sociólogos, a cor da pele é a principal característica utilizada pelas pessoas para diferenciar as raças humanas, e perpetuar o conceito biológico de raça. E, para muitos pesquisadores do preconceito, essa é exatamente a raiz do racismo.

Entretanto, em 2017, um grupo de pesquisadores de universidades americanas e africanas jogou por terra essa ideia. O grupo mostrou que diferenciar as raças pela cor da pele é um erro absurdo. Eles publicaram na revista Science o primeiro estudo em larga escala sobre a genética da cor da pele em africanos. Os pesquisadores identificaram 6 variantes genéticas (SLC24A5, MFSD12, DDB1, TMEM138, OCA2 e HERC2). Essa variações foram encontradas em 4 regiões do genoma humano. Essas regiões estão ligadas à pigmentação da pele, deixando-a mais clara ou mais escura. Ou seja, os pesquisadores identificaram os genes ligados à diversidade da cor da pele humana bem como quando e onde esses genes surgiram… Você está preparado para saber uma verdade científica chocante sobre o conceito biológico de raça?

Foram sequenciados os genomas de mais de 1600 pessoas de 10 grupos étnicos que vivem na Etiópia, Tanzânia e Botswana. Além disso foi medida a pigmentação da pele de mais de 2000 africanos.

O estudo revelou que os africanos apresentam uma grande variedade de tonalidade na pele. Encontrou-se tons claros como um asiático até ao muito escuro que tradicionalmente imaginamos quando pensamos em uma pessoa da savana africana. Mais que isso, os resultados revelaram que esses genes são compartilhados em todo o mundo. Inclusive por europeus e caçadores-coletores em Botswana. Ou seja, esses genes não apenas afetam a aparência dos africanos, mas estão presentes também nas peles mais claras de europeus e asiáticos.

A pesquisa revelou que essas variantes genéticas estavam presentes nos ancestrais distantes da humanidade, mesmo antes de nossa espécie evoluir na África há 300 mil anos. Algumas surgiram há mais de 900 mil anos! A variante para as peles claras, por exemplo, parece ter antecedido à chegada do Homo sapiens.

Esses resultados são diametralmente opostos à ideia vigente. Acreditava-se de que os variantes genéticos para a pele escura são fixos para as pessoas de ascendência africana. Por outro lado, as variantes para a pele clara surgiram mais tarde, quando os seres humanos começaram a sair da África.

Para a líder do grupo de pesquisa, Dra. Sarah A. Tishkoff, esses resultados mostram que não é possível manter o conceito biológico de raça. Essas variantes para a cor de pele mais clara ou escura não podem ser aplicadas em grupos ou conjuntos discretos. Em suas palavras: “O estudo realmente desacredita a ideia de uma construção biológica da raça. Não há limites discretos entre os grupos que são consistentes com os marcadores biológicos”. Com isso, temos resultados de uma pesquisa altamente complexa, de larga escala, que mostra que existe em nossa pele muito mais daquilo que nos une do que nos separa.

Enquanto escrevo esse texto, o renomado jornalista da Rede Globo, William Waack teve vazado na internet um vídeo no qual ao se incomodar com alguém buzinando no local de seu link em Washington solta a seguinte pérola:

Tá buzinando porque, seu merda do caralho? Não vou nem falar, porque eu sei quem é… É preto. É coisa de preto”.

Esse, como tantos outros milhares de exemplos, mostra que é o preconceito, a ignorância e a falta de caráter que separam as raças. Se você acredita que pretos e brancos são diferentes, saiba que realmente são. No entanto, isso nada tem nada a ver com biologia, com Ciência. Ao final, o que melhor nos diferencia não é a cor da pele. O que nos diferencia é como a polícia nos aborda e a sociedade nos vê.

E se você acha que não há diferença entre brancos e negros saiba que existe sim. No Brasil, morrem 73% mais negros que brancos. O encarceramento de negros é cerca de 2 vezes maior que o de brancos. Mas, perceba que essa diferença ocorre pela construção social em um país de origem escravocrata. É isso que segrega e mantém, por meio de mecanismos sociais e econômicos, essa condição de inferiorização do negro. O racismo sobrevive e mata graças a situações como essa, em que um jornalista famoso faz um comentário nojento e criminoso. E o pior, ele ainda foi defendido por outros profissionais, por um ministro do STF e, principalmente, por uma horda de “gente do bem” nas redes sociais. Racismo é crime e todo racista é um criminoso.

 

REFERÊNCIA

Nicholas G. Crawford, Derek E. Kelly et all. Loci associated with skin pigmentation identified in African populations. Science, 2017.

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