Quanto vale a vida?
Os carros esportivos, celulares ultra modernos, computadores de última geração… Tudo isso parece mover o desejo de consumo e vira uma obsessão na vida das pessoas. Para os mais ricos, as barreiras financeiras quase não existem. No entanto, para os mais pobres pode ser um sonho nunca alcançado. Todos sabem o quanto custa esses bens e outros produtos industrializados, mas você sabe quanto custa para uma flor ser polinizada por uma abelha e gerar um fruto que irá alimentar alguém? Quanto custa o oxigênio que respiramos? Quanto vale a vida? Pode não parecer, mas custa muito caro. E, infelizmente, se um dia isso acabar, não haverá dinheiro que compre algo que substitua os processos ecológicos naturais.
Os produtos oferecidos pela natureza tem seu preço
A natureza, através dos seus complexos e interligados processos, produzem muitas substâncias que são vitais para o ser humano. Seja para respirar, se alimentar, cuidar da saúde e produzir bens manufaturados.
Mais do que isso, a natureza por si só é de fundamental importância pela sua simples existência e beleza cênica. Que o digam os investidores na área de ecoturismo que tem ganhado montanhas de dinheiro com essa área. Na América do Sul, um turista chega a desembolsar cerca de US$ 4 mil para passar dez noites somente fotografando anfíbios e répteis na Floresta Amazônica do Equador.
O captopril, por exemplo, é um medicamento muito popular para controle da hipertensão arterial. Ele foi desenvolvido a partir do veneno da jararaca (Bothrops jararaca) por um pesquisador brasileiro. Esse medicamento salva a vida de milhões de pessoas desde então. Apesar de não haver estimativas concretas de quanto se gera de riqueza com a venda desse medicamento, certamente não é pouca coisa. Especula-se que sejam cerca de US$ 5 bilhões por ano.
O monstro-de-gila (Heloderma suspectum), réptil que vive no noroeste do México e sudoeste dos EUA, é outro animal que ajudou a indústria farmacêutica a ganhar uns bons milhões de dólares a mais. Essa espécie tem na sua peçonha uma substância (a exendina-4) capaz de controlar os níveis de açúcar no sangue na diabetes tipo 2, uma doença que afeta mais de um terço dos americanos.
Além disso, pesquisas têm sido feitas para avaliar o uso dessa substância no controle de apetite, dependência do álcool e doença de Alzheimer.
Meio Ambiente X Progresso
Vivemos, no momento, um paradoxo: a tecnologia permite explorar melhor e mais rápido os recursos, mas convivemos com desperdício e falta de planejamento para gastar esses mesmos recursos naturais. Consequentemente temos enfrentado altas taxas de extinção muito acima do considerado normal.
Dado a alta complexidade dos sistemas naturais, é de fundamental importância para nossa sobrevivência que as espécies sejam conhecidas, catalogadas e estudadas pelos cientistas. Mas, infelizmente, isso ainda é visto como um entrave ao “progresso”, embora o próprio progresso dependa da manutenção harmônica dos ciclos naturais.
Conservar as chamadas espécies carismáticas (aquelas que tem grande apelo popular, como o panda) pode ter apelo e até mesmo iniciativas populares de doação financeira para tais projetos. Entretanto, gastar alguns milhões de dólares para explorar a vida microbiana de solos ou invertebrados aquáticos pode ser visto como desperdício de dinheiro.
Pobre engano.
Como dito anteriormente, a vida no planeta está tão intrinsecamente interligada que qualquer rompimento na teia alimentar pode afetar todo um ecossistema.
A extinção de predadores de topo pode ocasionar a proliferação de animais que normalmente seriam presas, de forma a torná-los uma praga, gerando prejuízos financeiros. Outra consequência, do desequilíbrio ambiental pode ser o surgimento de doenças emergentes, causadas pela superpopulação de vetores que não são controlados pelos seus predadores naturais.
Conhecendo o que a natureza pode nos oferecer…
Ainda estamos longe de poder catalogar todas as espécies do planeta e dificilmente acredito que isso será possível, dado as altas taxas de extinção atuais. Conhecemos cerca de 1,4 milhões de espécies no planeta e estimativas apontam que há mais 5 ou 10 milhões a serem descritas (esses números variam de acordo com os pesquisadores).
Entretanto, estimativas conservadoras apontam que seriam necessários mais de 260 bilhões de dólares para se descrever todas as espécies animais do planeta!
Percebam que nessa conta não entra os vegetais, vírus, protozoários e outros seres. E esse nem é o maior problema.
Um outro grande problema…
A falta de cientistas qualificados capazes de estudar todos os grupos de organismos vivos, nomeá-los e classificá-los adequadamente. Os especialistas nessa área, chamados de taxonomistas, ainda são poucos quando comparados a alta demanda existente.
A escassez é ainda maior para grupos que não são muito carismáticos ao público em geral. Um exemplo disso são os invertebrados e os vegetais sem flores. Com a taxa atual de descrição de espécie novas pela ciência, seriam necessários ainda cerca de 360 anos para se conhecer todas as espécies do planeta! Muito trabalho a ser feito!
Mesmo assim, esse preço ainda é muito baixo quando comparado a nossa necessidade da natureza para a agricultura, indústria pesqueira, novas substâncias usadas na indústria de fármacos, renovação de nutrientes na paisagem, dentre vários outros serviços ecológicos.
Só para se ter uma ideia, em 2014 se gastou cerca de US$ 82 bilhões com jogos eletrônicos no mundo. Cerca de 30% do que necessitamos para resolver nosso problema de conhecimento das espécies no planeta. Nossos governantes e empresários poderiam contribuir mais com a ciência, não é mesmo? Entretanto, indo na contramão desses fatos, o governo brasileiro tem desmantelado a ciência nacional e nos empurrado para as trevas do desconhecimento, falta de tecnologia e educação de qualidade. São cortes de financiamento e sucateamento das instituições de pesquisa e educação. Infelizmente.
Muita gente não perceber o valor da natureza. É importante lembrar que quando os recursos naturais se exaurirem, nada valerá o dinheiro na carteira ou o ouro nos cofres. Os processos ecológicos não podem ser fabricados em indústrias e substituídos facilmente. Pelo contrário, sai muito mais caro do que simplesmente preservar o que já existe.
Pensando nisso, que tal pensar em adotar uma vida mais sustentável para todos nós?
O planeta agradece e o seu bolso também.
REFERÊNCIAS
Carbayo F, Marques AC. The costs of describing the entire animal kingdom. Trends in Ecology and Evolution. 2011.
Kessler R. How Much Would It Cost to Identify Every Animal on Earth? 2011
McCarthy DP, et al. Financial Costs of Meeting Global Biodiversity Conservation Targets: Current Spending and Unmet Needs Science. Science. 2012.
A quadrilha sempre se achou acima da lei , estando a jararaca com a cabeça esmagada e a onça bebendo água!
Não entendi o seu ponto, Rosica.