Ambiente e BiologiaPriscila OrtegaSaúde

Para onde vão os medicamentos?

Vamos imaginar a seguinte situação: você está doente e resolve ir ao médico. Após os exames, o médico receita o uso de antibióticos. Você realiza todo o tratamento como solicitado pelo médico e, ao término desse período, você descarta o resto dos medicamentos no lixo comum. Você, ainda, aproveita e faz uma limpeza geral no seu armário de medicamentos, jogando no lixo todos os remédios antigos, inclusive aqueles que estavam com a data de validade expirada. Agora, você sabe qual será o destino desses medicamentos que você jogou no lixo comum?

Será que passou pela sua cabeça a possibilidade de que, esses remédios poderiam contaminar o meio ambiente, como a água e o solo? Se você não pensou nessa possibilidade, preste atenção nesse texto e descubra mais sobre como os medicamentos podem afetar o meio ambiente.

Medicamentos e o cotidiano

Os medicamentos fazem parte do nosso dia a dia. Às vezes, é um analgésico para uma dor de cabeça; um anti-inflamatório para uma dor muscular; ou ainda, os anticoncepcionais utilizados como método anticonceptivo. De maneira geral, uma parcela do medicamento é utilizada para o efeito terapêutico desejado, outra parcela é metabolizada pelo corpo, e a outra é eliminada de forma inalterada, através da urina e fezes. A partir daí, os problemas podem começar a aparecer.

Se sua casa está conectada a uma rede de esgoto, provavelmente esse medicamento presente na água passará por uma estação de tratamento. Assim, o medicamento pode ser totalmente ou parcialmente eliminado da água, antes desta desaguar em um manancial. Caso contrário, se sua casa não está conectada a uma rede de esgoto regular, esses medicamentos presentes na água podem atingir diretamente um manancial, afetando o meio ambiente.

Figura 1: Presença de medicamentos no nosso dia a dia.
Os impactos ao meio ambiente

Contudo, os impactos ao meio ambiente não acontecem diretamente por causa de ingestão da água. Aliás, acredita-se que, por estarem em concentrações baixas, como microgramas ou nanogramas, esses contaminantes não afetam diretamente a saúde humana. No entanto, apesar dessas concentrações serem baixas para os seres humanos, essas substâncias podem ser ingeridas por organismos da base da cadeia alimentar. Assim, esses contaminantes podem ser passados de nível trófico para nível trófico, acumulando nos organismos do topo da cadeia alimentar.

Alguns estudos, por exemplo, apontaram a presença de hormônios femininos, principalmente provenientes de anticoncepcionais, na água. Esse fato poderia estar relacionado à feminização de peixes e formação de óvulos em machos, indicando uma alteração hormonal em animais na presença de águas contaminadas com estrógeno.

Figura 2: Os medicamentos podem afetar o meio ambiente.
As super bactérias

Outro fator extremamente importante, é a seleção de bactérias resistentes. A presença de fármacos na água, através do descarte irregular de antibióticos, pode acelerar a resistência e adaptação de bactérias. Esse fato leva a doenças bacterianas também mais resistentes, e mais difíceis de serem curadas.

Estudos desenvolvidos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) encontraram concentrações elevadas de antibióticos, anti-inflamatórios, corticóides e hormônios em mananciais da região.

Pesquisas desenvolvidas no manancial Arroio Dilúvio (Porto Alegre, RGS) também mostraram a presença de betabloqueadores (medicamento para tratamentos cardíacos) em grandes concentrações.

De acordo com os pesquisadores, esses fatos se acentuam nos grandes centros urbanos devido à maior densidade populacional. Da mesma maneira, pesquisas desenvolvidas na região de Massachusetts (Estados Unidos) observaram a grande presença de hormônios, principalmente o estradiol e a progesterona.

Mais impactos ambientais

Os pesquisadores também observaram que, as elevadas concentrações desses hormônios causavam efeitos adicionais em concentrações plasmáticas de vitelogenina em trutas juvenis. Ou seja, as trutas poderiam entrar no período reprodutivo antes do esperado, sem o desenvolvimento completo dos seus órgãos reprodutores.


Figura 3: A presença de medicamentos no esgoto é mais recorrente nos grandes centros urbanos.

Apesar do conhecimento a respeito dos riscos desses contaminantes na água, ainda não há uma legislação a esse respeito. Tanto no Brasil quanto em outros países, não se estabeleceu quais as concentrações aceitáveis para os fármacos na água, sem afetar a saúde dos seres vivos. O problema é que não são fáceis de se estabelecer os valores de concentrações seguras porque são necessários muitos estudos, parâmetros adequados e tecnologia especializada. A instrumentação é cara e os pesquisadores precisam de muito treinamento para a realização desse trabalho. Apesar dessa área ser recente, muitos avanços já foram alcançados, principalmente na velocidade de obtenção dos dados. Contudo, ainda há muito trabalho pela frente.

O que precisa ser feito?

Em um primeiro momento, o tratamento de esgoto precisa ser melhorado. Novas técnicas precisam ser adotadas para eliminar completamente os fármacos presentes na água.

A boa notícia é que o tratamento tradicional de esgoto consegue eliminar de maneira significativa a carga poluidora do esgoto urbano. No entanto, nem sempre a população está atenta sobre isso. A quantidade de ligações clandestinas de esgoto, ou até mesmo, a não ligação do esgoto ainda é muito alta. Em Porto Alegre, por exemplo, apenas 56% da população têm ligação de esgoto regularizada, sendo este esgoto tratado adequadamente. Assim, incentivar a regularização das redes, assim como ampliar o tratamento de esgoto são os principais objetivos a serem cumpridos.

REFERÊNCIAS

Bartelt-Hunt S, Snow DD, Damon-Powell T, Miesbach D. Occurrence of steroid hormones and antibiotics in shallow groundwater impacted by livestock waste control facilities. Journal of Contaminant Hydrology. 2011.

Kolpin DW, Furlong ET, Meyer MT, Thurman EM, Zaugg SD, Barber LB, Buxton HT. Pharmaceutical, hormones, and other organic wastewater contaminants in U.S. streams, 1999-2000: a national reconnaissance. Environmental Science & Technology. 2002. Standley LJ, Rudel RA, Swartz CH, Attfield KR, Christian J, Erickson M, Brody JG. Wastewater-contaminated groundwater as a source of endogenous hormones and pharmaceuticals to surface water ecosystems. Environmental Toxicology and Chemistry. 2008.


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