Os recifes de corais da foz do Rio Amazonas
O Rio Amazonas despeja cerca de 20% do total de água doce do mundo nos oceanos. Ele é conhecido por seu volume astronômico de águas e seu longo comprimento. O rio corta a América do Sul de Oeste a Leste por cerca de 7 mil km. E a foz do Rio Amazonas? Alguma vez você já imaginou que, na sua foz, as águas barrentas escondem um precioso sistema de recifes de corais? Tão complexo e diverso, com uma estruturação única e uma beleza exótica? Não?! Então vamos mergulhar no nosso post e contar um pouco mais sobre esse achado recente!
Os recifes de corais são estruturas comuns em regiões tropicais e subtropicais de águas rasas e quentes. Eles sustentam uma comunidade muito diversa de plantas e animais. Muitos animais como cnidários e esponjas vivem em simbiose com algas fotossintetizantes. Essas algas produzem energia que sustenta esse ecossistema complexo. Dado a necessidade da produção de energia basicamente através da fotossíntese, as águas claras são pré-requisitos para a existência de recifes coralinos proeminentes.
As regiões onde grandes rios tropicais deságuam no mar são geralmente uma grande barreira para o desenvolvimento dos recifes coralinos. O grande volume de água lançado no oceano carrega muito sedimento suspenso (chamado de pluma), que é depositado em áreas adjacentes. Com isso, a foz desses rios sofre uma alteração considerável de salinidade, pH, penetração de luz solar e de sedimentação de lama. O Rio Amazonas geralmente era um exemplo clássico muito citado, justamente por possuir estas condições que impediriam a formação de recifes.
No entanto, em 2016, cientistas publicaram um estudo sobre um sistema de corais de aproximadamente 9500 km2 ao longo de cerca de 1000 km de extensão na região da foz do Rio Amazonas. Esse coral se distribui em uma área que vai da fronteira do Brasil com a Guiana Francesa até o estado do Maranhão. Esse sistema marinho está a uma distância média de 120 km do litoral, e sua área equivale a seis cidades como São Paulo!!! O estudo investigou profundidades que variam de 25 a 120 metros de profundidade.
Esse sistema de recifes contém grande variedade de algas vermelhas (conhecidas cientificamente como Rhodophyta), além das algas verdes (Chlorophyta) e marrons (Ochrophyta). Os cientistas também descobriram 61 espécies diferentes de esponjas marinhas. Os cnidários (filo dos organismos formadores de corais) também foram abundantes. Foram registradas cerca de 26 espécies de Octocorallia, 12 espécies de Scleractinia, além de muitos peixes de corais (76 espécies), lagostas e muitos invertebrados.
Esse complexo ambiente de recife pode ser dividido basicamente em 3 regiões. A região desse recife situada ao norte da foz do rio apresenta uma diversidade menor. Isso se deve a uma maior concentração de sedimentos suspensos ocorrentes neste setor. Esses sedimentos, ao saírem do rio e chegarem ao mar, são levados mais para o norte devido as correntes marinhas (a Corrente Norte do Brasil). Os setores central e o mais ao sul da foz consequentemente possuem uma “nuvem” ou pluma de sedimentos menor e, por isso, são mais diversos em termos de espécies.

Crédito obrigatório: Divulgação/Greenpeace
Os recifes de corais são muito importantes porque abrigam espécies de interesse econômico, como peixes e lagostas, além dos camarões. E nem é somente por conta do valor financeiro que devemos pensar na hora de discutir sobre a conservação desse ambiente. Esse sistema é desconhecido pela ciência. Pouco se sabe sobre as dinâmicas ecológicas existentes nesse habitat e o papel de suas espécies.
Apesar de não ser muito diverso em termos de espécies comparado a grandes recifes de outras partes do planeta, esse ecossistema apresenta características únicas, por conta das condições físico-químicas presentes, além de ser um importante corredor de contato entre a biodiversidade da região marinha caribenha e do Atlântico Sul.
Outro fato interessante é sobre como a vida persiste nesse ambiente. Ela é muito diferente da maior parte dos recifes coralinos ao redor do mundo. A fotossíntese é normalmente a forma mais comum de fixação de carbono e, consequentemente, de produção de energia em corais de águas rasas. Nesse sistema Amazônico, a quimiossíntese aparece como uma das principais formas de obtenção de energia. Isso acontece provavelmente porque existe uma falta de luz adequada para a realização da fotossíntese.
Esse ecossistema complexo e diverso, mal foi descoberto e já sofre com o perigo de ser danificado.
A exploração petrolífera na região já é uma ameaça real. Soma-se a isso o ineficiente controle do governo brasileiro sobre as atividades de pesca na região. Não se sabe nem ao certo quantos barcos pesqueiros atuam na área. Os pesquisadores envolvidos no estudo publicado em 2016 que trata sobre a descoberta desse sistema de corais observaram algumas centenas deles atuando em áreas próximas e até mesmo sobre esse grande recife.
A exploração petrolífera pode trazer danos irreparáveis para esse ambiente muito pouco conhecido. Até agora, só foram mapeados cerca de 5% da sua extensão total. Sabemos muito pouco sobre sua estrutura, composição e funcionamento ecológico. Somado a isso, temos a diminuição brutal do orçamento federal para as ciências no Brasil, além da já existente tradição de não se investir em pesquisas em ambientes marinhos do nosso litoral.
Apesar de todas as dificuldades, pesquisadores brasileiros de diversas instituições de ensino e pesquisa tem agido em conjunto para conhecer mais sobre esse ambiente tão singular. Nossos pesquisadores contam com o apoio de instituições estrangeiras, e também com ONG’s que atuam em defesa do meio ambiente.
Sabe-se mais da superfície da Lua que sobre o fundo dos nossos oceanos. Será que vamos continuar com a nossa cabeça na Lua, enquanto perdermos nossa biodiversidade sem conhecê-la?
REFERÊNCIAS
Moura, R.L. et al. An extensive reef system at the Amazon River mouth. Science Advances 2016.
Neumann-Leitão, S. et al. Zooplankton From a Reef System Under the Influence of the Amazon River Plume. Frontier in Microbiology 2018.
Vale, N.F. et al. Structure and composition of rhodoliths from the Amazon River mouth, Brazil. Journal of South American Earth Sciences 2018.