O dia depois de uma extinção em massa
Os filmes apocalípticos sempre fazem sucesso nas telonas e arrebatam milhões de fãs. Também são capazes de incendiar as conversas sobre o que poderíamos fazer para sobreviver em um mundo onde tudo está mudando. Ou ainda, como teríamos que usar nossos instintos para sobreviver em meio ao caos e a uma extinção em massa. Pode parecer uma coisa muito fantasiosa ou mesmo quase impossível de ocorrer. No entanto, será mesmo que isso é um evento que só ocorre nos estúdios milionários de Hollywood?
O que nos diriam os micos-leões-dourados (Leontopithecus rosalia) que vem observando as Matas Atlânticas da baixada fluminense sendo completamente dizimadas? Será que alguém escutou o último grito da ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) antes de ser extinta nas caatingas baianas? Alguém se lembrou de atender o último pedido de socorro do lobo-da-tasmânia (Thylacinus cynocephalus) antes que os colonizadores ingleses na Austrália abatessem o último representante da espécie? Certamente para essas espécies e muitas outras, o apocalipse chegou e levou à extinção seus últimos representantes. Eles tentaram persistir e continuar sua linhagem, mas não foi possível. O fim chegou para eles, como naqueles filmes de destruição em massa.
A verdade é que a vida no nosso planeta sempre passou por ciclos de diversificação de espécies. Além disso, o planeta também passou por grandes extinções em massa. A mais famosa delas é a dos dinossauros, há cerca de 65 milhões de anos. Esses ciclos são importantes, e remodelam a vida no planeta. Se os grandes dinossauros não tivessem desaparecido na grande extinção do Cretáceo, permitindo que a diversificação dos mamíferos ocorresse posteriormente, provavelmente a nossa própria espécie não estaria povoando o planeta nesse momento.
Houveram outras grandes extinções. Por exemplo, a do Permiano (há 250 milhões de anos), que extinguiu cerca de 95% da vida do planeta. Entretanto, esses ciclos de extinção em massa demoram alguns milhares ou milhões de anos para que todo o processo ocorra. Na era de dominação do Homo sapiens (humano moderno) no planeta, esse ciclo tem ocorrido em um tempo muito mais rápido. Em apenas 500 anos, estima-se que foram extintas 322 espécies de vertebrados. Mais de 200 espécies foram perdidas somente nos últimos 200 anos. As taxas apontam que anualmente duas espécies de animais somem do planeta. A União Internacional para Conservação da Natureza estima que aproximadamente 41% de todos os anfíbios e 26% dos mamíferos correm sério risco de extinção em massa.
E o homem é o culpado de tudo disso.

A perda do hábitat é o maior vilão. E essa perda é causada pelo desmatamento ou poluição de rios, superexploração de recursos naturais, como estoques pesqueiros, a invasão de espécies não-naturais de uma região, como o coral-sol (Tubastraea sp.), poluição de uma forma geral, e pelo aquecimento global. Poderíamos citar ainda a biopirataria (todo mundo conhece alguém que tem um passarinho engaiolado ou um jabuti ilegal de estimação, correto?), ou a transmissão de doenças a partir de animais domésticos para a fauna silvestre.
Os dados são alarmantes: cerca de 30% dos vertebrados tiveram suas populações reduzidas. Além disso, também existe uma diminuição da área de ocorrência, ou seja, a área que eles vivem está diminuindo. Alguns mamíferos perderam mais de 80% da área onde viviam originalmente! Áreas onde a expansão populacional tem ocorrido com mais intensidade são as mais afetadas. Isso ocorre, por exemplo, no sudeste asiático e em outras zonas tropicais do planeta.
E por que devemos nos preocupar?
Precisamos pensar: será que não somos afetados mesmo? Devemos lembrar que o meio ambiente funciona em um sistema de harmonia e sintonia, e a retirada do cenário de alguns componentes pode afetar todo esse equilíbrio. Imagina um prédio grande, com várias colunas e pilares. Se você retirar um pequeno pedaço de uma parede, pode não afetar logo imediatamente. Só que se seu vizinho retira outra parede em uma reforma, o síndico decide reformar a garagem e retirar uma pilastra e o morador do último andar decide expandir a piscina da cobertura sem se importar com o peso suportado pela laje abaixo, pode ocorrer um colapso de toda a estrutura e a queda do prédio.
Claro que esse exemplo é muito simplório perto dos sistemas complexos que existem no ambiente natural, mas certamente a extinção de predadores afeta as populações de presas. Isso desencadeia o aumento, de pragas, espécies de invertebrados transmissores de doenças, além do desaparecimento dos polinizadores das plantas.
Pareceu-lhe mais real o cenário? Pense um pouco sobre aonde estão os pássaros que provavelmente iriam se alimentar dos mosquitos que transmitem a dengue e febre amarela. Pense também sobre os gaviões que poderiam comer os ratos que abundam nos centros urbanos. Certamente você não os verá nos grandes centros e, consequentemente, esses animais pragas viverão sem ser incomodados.
Pior ainda é a situação da agricultura. A maior parte dos alimentos agrícolas que consumimos precisa de um polinizador para que a flor seja fecundada e então forneça o fruto. Muitas populações de abelhas têm sumido, e essa é uma preocupação já real para muitos agricultores. Como será produzido a laranja, o maracujá e o tomate sem que haja os invertebrados polinizadores para realizar essa tarefa tão árdua, mas que grande parte da população ignorava? Certamente a baixa produção agrícola nos fará sentir na pele essas consequências das extinções dessas espécies.
Economia sustentável
Para quem acha que a natureza só é um entrave para economia, vale destacar que 73% do turismo da Namíbia são de turistas ecológicos. Eles foram responsáveis por 14,2% do crescimento econômico do país. O turismo de observação de baleias faturou mais de 275 milhões de dólares na América do Sul. O de tartarugas marinhas também se mostrou uma atividade que pode prover mais lucros aos moradores locais que o consumo e venda de sua carne e ovos. O mergulho com tubarões nos EUA pode gerar até 10 mil empregos diretos e movimentar 314 milhões de dólares por ano. Certamente essas atividades precisam ser bem estruturadas para evitar danos às espécies. No entanto, é possível equilibrar a conservação da natureza com ganhos econômicos importantes.
Estamos nessa roda viva do meio ambiente, e sentiremos os efeitos dessas extinções se elas continuarem a ocorrer como previsto. Precisamos colaborar com o planeta, reduzir, reutilizar, reciclar ou ainda melhor, repensar nosso consumo. Preservar o que ainda resta e restaurar o que é possível. O planeta continuará existindo de qualquer forma, como ele sempre o fez, mas não necessariamente as espécies que o habitam. E isso pode incluir você, o Homo sapiens!
REFERÊNCIAS
Ceballos G, Ehrlich PR, Barnosky AD, García A, Pringle RM, Palmer TM. Accelerated modern human-induced species losses: entering the sixth mass extinction. Sci. Adv.. 2015.
Ceballos G, Ehrlich PR, Dirzo R. Biological annihilation via the ongoing sixth mass extinction signaled by vertebrate population losses and declines. PNAS. 2017.
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