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Eureka Entrevista: a mãe e neurocientista Pâmela Carpes

Com apenas 34 anos, a neurocientista Pâmela Billig Mello Carpes possui uma carreira inspiradora. O Eureka fez algumas perguntas a ela para inspirar vocês também.

Pâmela Billig Mello Carpes é Professora Associada na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Lá, ela lidera o Grupo de Pesquisa em Fisiologia da UNIPAMPA e coordena o Programa POPNEURO. Ganhou o Prêmio Para Mulheres na Ciência L’Oreal/UNESCO/Academia Brasileira de Ciências em 2017. Participa do grupo Cientistas do Pampa. É pesquisadora associada da Rede Ciência para a Educação (CpE). Como seu resumo do lattes diz: “Mãe de um filho de 14 anos, é atuante na causa das mulheres na ciência”.

(Imagem disponível em: http://lattes.cnpq.br/0450761543923331).

 

Conte-nos um pouco mais sobre seu projeto Cientistas do Pampa: como surgiu a ideia, quais os resultados esperados ou os preliminares?

Cientistas do Pampa é um grupo de cientistas mulheres da Universidade Federal do Pampa. O grupo tem como objetivo principal é divulgar a ciência enquanto possibilidade de carreira para meninas e jovens mulheres.

O grupo surgiu a partir da mobilização de uma “jovem cientista”, a Maria Clara. Na época, a Maria Clara era aluna do Ensino Médio e bolsista de iniciação científica júnior (PIBIC-EM/CNPq) no meu laboratório. Frequentando a universidade ela percebeu que haviam muitas mulheres fazendo ciência. No entanto, na escola eles não tinham esta percepção. Os cientistas que eles estudavam ou conheciam eram, quase todos, senão todos, homens. Então ela propôs uma ação de divulgação na escola dela, inicialmente para a sua turma. Convidamos outras colegas cientistas e fomos à escola, falamos sobre nossas carreiras, sobre as dificuldades e êxitos enfrentados. A atividade fez tanto sucesso, que depois a turma veio aos nossos laboratórios na universidade. A partir daí o grupo de mulheres cientistas estava formado, e posteriormente outras cientistas se juntaram a nós!

Hoje as Cientistas do Pampa têm alguns projetos de divulgação científica, sendo o principal neste momento As Energéticas. Neste projeto, apoiado pelo edital Elas nas Exatas (Fundo Elas, Unibanco e ONU Mulheres), promovemos rodas de conversa sobre mulheres na ciência, visitas a laboratórios de pesquisa científica, e capacitação de meninas para construção de protótipos de geração de energia solar e eólica. Participam estudantes do terceiro ano do Ensino Médio de uma escola pública de Uruguaiana.

 

Você poderia nos falar um pouco sobre a importância da divulgação científica na sua carreira?

Eu sempre considerei a divulgação científica como uma das minhas atribuições enquanto cientista. Embora eu considere que os nossos programas de pós-graduação, em sua maioria, não formem o cientista para fazer divulgação da ciência, entendo que esta é parte fundamental da ciência, pois a aproxima da sociedade. É fundamental a sociedade entender o que é ciência e para que ela serve; a partir daí poderá valorizar e apoiar os cientistas. Tento discutir isso junto aos meus estudantes de todos os níveis, e plantar neles também esta semente.

Mais do nunca, a divulgação cientifica séria, feita por/com cientistas comprometidos é importante. Hoje as pessoas têm uma facilidade muito grande em acessar informações sobre qualquer tema. Isto é ótimo, mas precisamos estar preparados para avaliar criticamente as mensagens que a gente recebe, e quem as transmite deve fazer com muita responsabilidade.

 

Como você vê hoje a questão da maternidade e ciência? Quais as mudanças positivas que encontrou ao longo da sua luta e quais ainda estão por acontecer?

Infelizmente a maternidade é vista hoje como um fator que traz prejuízos à carreira científica. Isto é muito injusto, mas é como as mães cientistas acabam percebendo… O grupo Parent in Science, que tem pesquisado muito neste tema, está fazendo um ampla coleta de dados com cientistas mães e pais, e os dados que eles têm até agora mostram que a percepção das mães é esta. Após o nascimento do/a filho/a, a cientista mãe enfrenta um período de baixa produção científica. Isso reduz paulatinamente a sua capacidade de concorrência com os pares, fazendo com a maternidade seja vista como algo prejudicial à carreira científica.

Obviamente, as mulheres sempre sofreram com o impacto da maternidade em diferentes campos de trabalho, mas considerando a forma como a ciência funciona, este impacto é muito grande na carreira científica. Muitos países já vem discutindo isso e propondo políticas de apoio para tentar reduzir este impacto. Começamos a discutir isto no Brasil bastante recentemente, mas eu vejo o fato de estarmos discutindo como um grande avanço.

Neste sentido temos que reconhecer o papel fundamental que o grupo Parent in Science tem tido. Em maio deste ano eles organizaram o I Simpósio Brasileiro sobre Maternidade e Ciência e trouxeram representantes de agência de fomentos para a discussão. Uma série de ações se desencadearam a partir do evento, e, assim como eu, muitos/as cientistas abraçaram esta causa. O tema ganhou espaço na mídia; sociedades científicas e programas de pós-graduação manifestaram seu apoio às reivindicações do grupo; um GT sobre gênero e ciência foi formado na CAPES… Isto é muito mais do que tínhamos há um ano atrás.

Sem dúvida ainda há muito o que fazer – precisamos de politicas e ações de fato. As políticas implementadas hoje ainda são poucas. Não faz muitos anos que a CAPES incluiu a licença maternidade para bolsistas de mestrado e doutorado (2011, se não me engano). A CAPES concedeu 4 meses de licença sem suspensão de bolsa às pós-graduandas que tiverem filhos durante o curso. O edital de bolsas de produtividade em pesquisa do CNPq também prevê uma ampliação do tempo de bolsa em caso de nascimento ou adoção de filho/s. O Instituto Serrapilheira incluiu em sua última chamada, que está aberta, a possibilidade de ajustes do período de obtenção do título de doutorado para até dois anos para mulheres com filhos. Mas as políticas são poucas e pontuais, sem dúvida precisamos de mais.

Uma das ações que promovemos após o Simpósio sobre Maternidade e Ciência foi a #maternidadenolattes. A ideia de incluir a licença maternidade no lattes foi encaminhada ao CNPq, que diz estar estudando a solicitação. Nossa proposta não é premiar cientistas que são mães. Queremos apenas incluir esta informação para que na avaliação do currículo pelos pares seja possível identificar que aquela cientista esteve em licença maternidade no período x, então isto talvez possa explicar uma possível queda de produção naquele período. Isto porque a queda de produção neste período não pode ser interpretada como incompetência.

Enfim, creio que esta mobilização seja muito positiva e propulsora de mudanças. O mais duro disso tudo é que muitas vezes encontramos resistência entre os pares, dentro da própria academia, entre colegas mulheres. Quando o assunto ganhou pauta na mídia então… na internet as pessoas sentem-se confiantes para comentar sobre tudo, sem nenhuma leitura ou estudo do tema, e acabamos ouvindo alguns absurdos por aí. Mas seguiremos na luta, e a minha expectativa é muito positiva. Espero que possamos seguir o exemplo de outros países. Lá, eles que tem inclusive editais de apoio à maternidade na ciência, que auxiliam a cientista a retomar sua carreira após a licença maternidade.

 

Estamos vivendo uma crise de investimentos na ciência no Brasil. Mesmo diante de tantas dificuldades, como você inspira seus alunos a seguirem a carreira acadêmica?

Realmente, este é um grande desafio! Os investimentos estão cada vez mais raros e menores, e temos visto, em todos os programas de pós-graduação, uma queda muito grande na procura por vagas. Isto é natural; se o governo e a sociedade do nosso país não valoriza a ciência, os estudantes não vão buscá-la como uma carreira.

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