Derretimento das geleiras e surgimento de patógenos
Apesar da descoberta da penicilina, por Alexander Fleming, e consequentemente do uso de antibióticos durante todos esses anos, as bactérias continuam evoluindo ao longo do tempo. Contudo, o que poderia acontecer caso ocorresse o surgimento de novas bactérias ou, até, de outros patógenos como os vírus, para os quais não temos vacinas? Como reagiria a humanidade frente a novas doenças?
Você poderia imaginar que novos patógenos são apenas hipotéticos e que dificilmente estaríamos sujeitos a novas doenças devido ao avanço da tecnologia. No entanto, esse pensamento está longe de ser realidade. Veja o exemplo da pandemia de COVID-19, um vírus que saltou de outra espécie animal para o homem. Não é só assim que surgem novos patógenos. Podemos nos perguntar: o que aconteceria caso houvessem novas doenças.
As mudanças climáticas, como o aquecimento global, estão derretendo o solo da região do Ártico onde, há milhares de anos, existiam bactérias e vírus. Conforme o solo derrete, esses vírus e bactérias são liberados no meio, depois de ficarem durante tanto tempo inativos. Assim, eles podem voltar à vida.
Há exemplos que confirmam esse fenômeno: de acordo com a reportagem publicada pela BBC Brasil, em 15 de maio de 2017, um menino de 12 anos morreu, e pelo menos 20 pessoas foram hospitalizadas, após infecção por antraz. Isso ocorreu em 2016, em uma região chamada Península Iamal, no círculo Ártico, uma região remota da Sibéria. Essa mesma reportagem indica que tudo começou há mais de 75 anos. Uma rena infectada com antraz havia morrido e sua carcaça congelada teria ficado presa na camada de permafrost (camada de gelo no solo). A rena ficou nessa camada até a onda de calor ocorrida no verão de 2016, que derreteu o permafrost. Com isso, a carcaça da rena ficou exposta e liberou a bactéria para a água e para o solo, contaminando inclusive os alimentos.

Será que esse foi um caso único? Ou outros casos parecidos já ocorreram?
Com o aquecimento global, novas camadas de permafrost poderem derreter, principalmente as camadas mais profundas e antigas. O permafrost congelado abriga patógenos por um longo período de tempo (até milhões de anos). Ao longo de séculos, pessoas e animais têm sido enterrados em permafrost. Isso significa que, com o derretimento, inúmeros patógenos podem ser liberados e causar diversas doenças.
De acordo com a mesma reportagem da BBC Brasil, citada anteriormente, cientistas descobriram fragmentos de RNA da gripe espanhola (de 1918) em corpos enterrados em valas na tundra do Alasca. Assim, a varíola e a peste bubônica também poderiam estar enterradas lá na Sibéria. Assustador, não é? Em pesquisa realizada por Revich e Podolnaya (2011), a principal consequência do derretimento do permafrost seria a liberação de vetores de doenças infecciosas que foram mortais no século 18 e 19. De acordo com o biólogo evolucionista Jean-Michel Claverie, da Universidade Aix-Marseille, os vírus dos primeiros humanos que habitaram o Ártico (como os Neanderthal e Denisovan) também poderiam ressurgir. Nesse sentido, Claverie afirma que “a ideia de erradicação de um vírus é errada, e nos dá um falso senso de segurança. E é por isso que deveríamos manter estoques de vacina, para caso voltemos a precisar dela um dia.”

Não é apenas o permafrost que pode derreter com o aquecimento global. O mar Ártico também está derretendo, o que tornou o norte da Sibéria acessível à exploração industrial, assim como à exploração de minas por ouro e minerais, e à exploração de petróleo e gás natural, expondo as camadas mais antigas. Se patógenos estiverem lá, poderiam ser liberados, causando doenças infecciosas de consequências inimagináveis.

Apesar de ser desconhecido o risco que esses patógenos do permafrost poderiam acarretar na humanidade, não podemos deixar de nos preocupar, principalmente com relação ao aquecimento global e as mudanças climáticas. Conforme a Terra vai aquecendo, países do Norte poderiam se tornar suscetíveis a epidemias e doenças ocasionadas apenas no Sul do planeta (malária, cólera, dengue), pois os patógenos sobrevivem a altas temperaturas. Além disso, como o corpo humano não entrou em contato com esses novos patógenos oriundos do permafrost durante muito tempo, o sistema imunológico não teria anticorpos suficientes para combater essas doenças, o que poderia ocasionar novas epidemias, pandemias e, em casos mais trágicos, dizimar uma população.
Tudo está conectado e interligado. Quem sabe assim, nos importamos mais com o meio ambiente e cuidamos mais da natureza.
REFERÊNCIAS
OA Anisimov et al. Influence of climate change on permafrost in the past, present and future. Phys Atmosp Oceans. 2004.
BA Revich and MA Podolnaya. Thawing of permafrost may disturb historic cattle burial grounds in East Siberia. Global Health Action. 2011.
D Gilichinsky et al. Bacteria in permafrost. Psychrophiles: from Biodiversity to Biotechnology. 2008.