André BarcellosTecnologia

Computação neuromórfica

Imagine ligar seu computador e deixá-lo 100% funcional (quase) instantaneamente, como se liga uma lâmpada! Discos rígidos com centenas de terabytes de capacidade de armazenamento. Além disso, computadores que consomem muito menos energia e quase não esquentam. Pois, acredite ou não, esses e outros avanços podem estar a nossa disposição nos próximos anos! Tudo depende do desenvolvimento da mais promissora proposta para a computação moderna: a spintrônica.

Um nova propriedade intrínseca da matéria: o spin

Como eu te expliquei no texto “O que é computação?”, a geração de bits depende do movimento dos elétrons nos componentes eletrônicos que compõem a máquina. No entanto, que estamos chegando próximos ao limite físico para a miniaturização desses componentes. Isso significa que, na prática, estamos chegando próximos ao limite da capacidade de gerar e processar informação computacional. Por isso, parte da comunidade científica interessada no assunto começou a se movimentar em uma direção alternativa ao desenvolvimento da eletrônica. A proposta é a de explorar uma outra propriedade inerente à matéria – como a carga e a massa – chamada spin

Spin (do inglês, giro) é uma propriedade de partículas atômicas associada a um espécie de giro (momento angular) intrínseco dessas partículas. Para fins didáticos, compare o movimento de um elétron ao redor do núcleo atômico com o movimento da Terra ao redor do Sol. O movimento de rotação da Terra (giro em torno do próprio eixo), nesse caso, seria o spin. Mas atenção! Essa comparação é muito limitada! Não vá achando que o elétron é um corpo sólido em rotação sobre o próprio eixo. Como tudo em mecânica quântica, nada é muito simples!

O spin eletrônico

Partículas como os elétrons e prótons, conhecidas como Bárions, possuem spins semi-inteiros (½ , 3/2 etc.). Contudo, Mésons e Bósons possuem valores inteiros para o spin. Dependendo do valor da carga e da espécie de partícula (elétron, nêutron etc.), o valor do spin define o momento magnético intrínseco. Em outras palavras, é graças ao spin que algumas partículas interagem com campos magnéticos. E é justamente essa propriedade que é explorada na spintrônica. 

O que nos interessa aqui é o spin do elétron, também conhecido como spin eletrônico, que pode ter dois valores, ½ (up) ou -½ (down). Portanto, o spin eletrônico, assim como a carga elétrica, pode ter dois valores: up ou down (no caso da carga elétrica também pode assumir dois valores: positivo e negativo). 

Spintrônica e o qBit

Lembra daquela história do Gato de Schrodinger? Pois então, os spins podem ser sobreposições de estados up e down, o que significa que, assim como o gato que “estava” vivo e morto simultaneamente, os spins das partículas são up e down ao mesmo tempo. E como o valor do spin define a direção da corrente elétrica[1], o valor de um bit é, simultaneamente, 0 e 1. Loucura, né? Já até batizaram esse estranho bit de qbit ou bit quântico. Essa particularidade do spin permite que se processe informações simultaneamente, diferente do processo eletrônico convencional. 

Um pouco de história: muitos autores atribuem o início da spintrônica ao trabalho que rendeu o prêmio Nobel de 2007 a Albert Fert e Peter Grünberg pela descoberta da Magnetorresistência Gigante. Esse incrível fenômeno físico consiste em utilizar a forte interação magnética favorecida pelos spins para diminuir substancialmente a resistência elétrica do material, o que possibilita a passagem de corrente elétrica com menos custo energético. Foi graças a essa descoberta que hoje temos acesso a HDs com Terabytes de capacidade! Fantástico, não? Além disso, essa descoberta abriu caminho para outros desenvolvimentos de sistemas computacionais que utilizam as propriedades dos spins.

Computação neuromórfica

Um exemplo é o trabalho de Torrejon et al. de nome “Neuromorphic computing with nanoscale spintronic oscillators” (em tradução livre, Computação neuromórfica com nano osciladores spintrônicos[2]). Neste trabalho, os autores mostram resultados promissores no campo da computação neuromórfica (computação que simula o funcionamento das redes neurais) utilizando a spintrônica. Os cientistas programaram uma máquina capaz de reconhecer padrões de fala. Apesar não ser uma novidade (a Siri que o diga!), o que esse trabalho traz de inovador é a forma como esses padrões são reconhecidos e armazenados. Ao utilizar osciladores spintrônicos gasta-se muito menos energia e, como são muito pequenos, a densidade desses componentes em uma placa computacional é enorme.  

Acredite, a computação neuromórfica já é realidade! Várias empresas como Google, IBM e Microsoft investem na produção de máquinas que funcionam como o cérebro humano. A produção de polímeros que funcionam de maneira semelhante aos nossos neurônios é o que possibilitou esse tipo de construção. Como são biologicamente compatíveis, podem ser usados para tratamentos de doenças que afetam o sistema nervoso central, por exemplo!

E, claro, por que não construir máquinas que funcionem como a máquina que melhor processa múltiplas informações que temos conhecimento: o nosso cérebro? No entanto, o problema é que para isso acontecer é necessário dar um passo além. Nosso cérebro realiza inúmeros processos simultâneos que podem durar poucos segundos, ou várias semanas, sem perder performance (em geral, hehehe). Certamente, é um desafio bem grande para um computador tradicional replicar isto. E é aí que o trabalho de Torrejon et al. inova e traz uma promissora proposta no campo da computação neuromórfica. Como resultado de suas pesquisas, eles obtiveram mais de 95% de sucesso no reconhecimento de um padrão de fala humana!

Máquinas que funcionam como o nosso cérebro parecem ser o futuro. Para quem, assim como eu, é fã de ficção científica não pode deixar de imaginar que isso pode representar certa ameaça para nós… Será que veremos uma Skynet surgir nos próximos anos? #medo. 

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 [1] Essa é uma simplificação do que “realmente” acontece. Há diversas técnicas distintas para fazer uso dos spins para geração de informação computacional.

 [2] Nota do autor: Que nome irado!

REFERÊNCIAS

Hoppensteadt F. Applied physics: A new spin on nanoscale computing. Nature, 2017.

Howie, A. Akira Tonomura (1942–2012): Physicist who pioneered electron holography. Nature, 2012.

Tonomura, A. The double-slit experiment. Physics World, 2002. 

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