Como evitar que novas doenças como a Covid-19 apareçam?
As pandemias não são necessariamente uma novidade para nós. Elas aparecem e causam efeitos avassaladores de forma recorrente. Será que poderemos prever com mais eficácia o surgimento das pandemias e nos precaver no futuro dos seus efeitos danosos? Como a ciência moderna pode lidar com esse problema de escala global e evitar novas doenças? Vamos falar sobre isso nesse novo texto do Eureka Brasil!
Apesar de seus efeitos substanciais na saúde pública global e da crescente compreensão do processo pelo qual os vírus zoonóticos emergem, muitas pandemias não foram eficientemente previstas antes de infectar seres humanos em larga escala.
A frequência com que novos patógenos emergem está aumentando mesmo com a crescente vigilância global. Isso sugere que os esforços para coordenar a estratégia global de combate a pandemias deveriam ter importância crescente nas agendas governamentais.
O que já sabemos sobre as origens desse perigo?
Os pesquisadores têm um bom conhecimento sobre os patógenos de animais selvagens e animais domésticos (espécies em contato frequente com seres humanos). Quase 50% das, aproximadamente, 1000 espécies de patógenos observadas em animais domésticos são zoonóticas. Isso indica que as barreiras entre os hospedeiros animais e os seres humanos são rotineiramente violadas por muitos patógenos, gerando essa contaminação interespecífica. Mais de 50% dos patógenos reconhecidos no ser humano podem infectar outros hospedeiros vertebrados. Aproximadamente 80% dos vírus, 50% das bactérias, 40% dos fungos, 70% dos protozoários e 95% dos helmintos que infectam os seres humanos vieram de outros animais.
Os patógenos podem se transferir dos seres humanos para outros animais e entre diferentes espécies de animais antes de serem transferidos de volta para as pessoas. Essas transmissões permitem recombinações genéticas e mutações com transmissão e patogenicidade potencialmente aprimorados (por exemplo, o vírus da influenza).
E o que é o Coronavírus?
Os coronavírus são um grupo de vírus que causam doenças entre mamíferos e aves. Sabe-se que os membros dos Coronaviridae causam infecções respiratórias ou intestinais em humanos e em outros animais. Eles foram descobertos na década de 60 e, até 2003, apenas 12 tipos de coronavírus eram conhecidos. Depois, esse número aumentou para 36, em 2007. Hoje são conhecidas cerca de 40 linhagens das quais sete tipos de coronavírus atacam os seres humanos. Entre eles, o temido causador do Covid-19.
Não há vacinas ou antivirais eficientes para humanos. Sabe-se que os coronavírus sofrem recombinação genética, o que pode levar a novos genótipos e surtos. Esses vírus são altamente transmissíveis, causam doenças graves e tem uma taxa de mortalidade entre 1 e 10%.
Os cientistas já previam que algo como o coronavírus não demoraria a acontecer. Em 2007, Cheng e colaboradores já indicavam a necessidade de pesquisas para o desenvolvimento de testes de diagnóstico, antivirais, vacinas e medidas epidemiológicas e de controle de infecção para coronaviroses. Além disso, já ressaltavam que morcegos seriam uma provável fonte de coronaviroses na China. Eles também destacaram que a presença de um grande reservatório de vírus do tipo SARS-CoV em morcegos, juntamente com a cultura de comer mamíferos exóticos no sul da China, era uma bomba-relógio. A possibilidade de reemergência da SARS e outros vírus novos evidencia a necessidade de preparo e pesquisas sobre esse tema.
Quais os fatores de risco para o futuro próximo?
Na China, o crescimento econômico desenfreado e a desigualdade social levam ao consumo de carnes exóticas oriundas do meio silvestre sem nenhum controle sanitário. Esses fatores favorecem os cenários de contaminação por zoonoses. Associa-se a isso as facilidades de viagens a nível global. É a receita perfeita para que as epidemias se iniciem e se espalhem.
No Brasil, isso não é diferente. O consumo de carne de animais silvestre é muito comum também (tartarugas, tatus, macacos, gambás e vários outros). Um hábito culturalmente enraizado que também persiste em muitos casos pela falta de acesso a proteína animal, seja pelo valor comercial, ou até mesmo por esporte. A cultura de manter animais selvagens como animais domésticos também é muito difundido no interior do país. É comum encontrar pessoas, por exemplo, que capturam passarinhos e primatas silvestres para manter em casa.
Como conter as pandemias?
Os riscos de exposição dessas novas viroses a caçadores, manipuladores de alimentos e pecuaristas devem ser reduzidos com precauções de rotina de saneamento e biossegurança.
As pesquisas científicas são fundamentais para conhecer os dados genômicos e entender parâmetros biológicos. Esses parâmetros são: taxa de transmissão, letalidade, evolução e similaridade com outros vírus já conhecidos. Além disso, a compreensão das taxas de mutação, as possíveis novas rotas de transmissão, predição da virulência, padrões de coevolução vírus-hospedeiro, modelos preditivos, ajuda também a prever diferentes cenários em crises de pandemias.
O que fazer quando as infecções já começaram?
Para infecções emergentes, o fortalecimento da vigilância da saúde pública em todo o mundo para fornecer alertas precoces tem sido a principal recomendação dos grupos de especialistas. O acesso universal à saúde é outro ponto fundamental.
Associar atendimento médico acessível ao distanciamento social ajuda a reverter os casos existentes e evitar a propagação de novos casos.
O que devemos aprender agora para mudar as ações no futuro?
O uso de modelagem preditiva pode ser usado para identificar as regiões mais propícias para surgimento de novas doenças. Prever quais os hospedeiros selvagens potenciais para elas e, consequentemente, entender quais as relações homem-animal com maior probabilidade de propagar a próxima zoonose emergente.
Fortalecer a abordagem multidisciplinar com a inclusão de especialistas de diversas áreas é muito importante. Profissionais em ecologia da vida selvagem, epidemiologia, genética, virologia, informática e medicina veterinária podem contribuir para entender o ecossistema local e construir um sistema global de alerta precoce para doenças emergentes que se movem entre a vida selvagem e as pessoas.
O desenvolvimento econômico precisa ser atrelado ao desenvolvimento social. Medidas governamentais devem incluir melhores cadeias de suprimento de alimentos como alternativas à caça à carne de animais selvagens, melhores condições de saúde para a população, e vigilância mais intensa do gado nas novas frentes agropecuárias.
Da mesma forma, os esforços para reduzir o comércio de animais silvestres para alimentos devem ser uma prioridade. Devemos investir na criação de incentivos para os consumidores que consideram preferir consumir produtos que tenham certificação de indústrias que promovem práticas saudáveis ambientais e econômicas.
As doenças zoonóticas, por definição, devem ser uma missão essencial das agências de saúde humana, autoridades e produtores agrícolas e gerentes de recursos naturais, todos trabalhando cooperativamente. O desenvolvimento sustentável deve ser um compromisso de todos, e uma meta governamental universal.

REFERÊNCIAS
Cheng VCC, Lau SKP, Woo PCY, Yuen KY. Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus as an Agent of Emerging and Reemerging Infection. Clinical Microbiology Reviews. 2007.
Kraemer MUG, et al. The effect of human mobility and control measures on the COVID-19 epidemic in China. Science 2020.
Morse SS, Mazet JAK, Woolhouse M, Parrish CR, Carroll D, Karesh WB, Zambrana-Torrelio C, Lipkin WI, Daszak P. Prediction and prevention of the next pandemic zoonosis. The Lancet. 2012.