Ambiente e BiologiaTúlio Lima Botelho

Cigarras: musicistas da natureza

Algumas pessoas gostam delas. Outras, simplesmente, tem um pavor imenso. As cigarras dividem opiniões, principalmente por serem uma das pragas mais conhecidas da cafeicultura, causando danos que podem destruir uma lavoura inteira. No entanto, diversas cidades do interior tem uma relação próxima com esses animais, que despertam curiosidade de seus moradores.

Taxonomicamente falando, as cigarras são artrópodes da classe dos insetos, pertencentes à ordem Hemiptera, superfamília Cicadoidea. Existem várias espécies de cigarras espalhadas pelo mundo, sendo, no Brasil, a Quesada gigas uma das mais conhecidas.

Esses animais possuem um ciclo de vida longo, que pode variar de um até 17 anos! Tudo começa com a postura dos ovos pela fêmea sob a casca de árvores. Quando as larvas eclodem, elas tecem pequenos fios que as levarão até o subsolo, local onde passarão a maior parte de suas vidas.

 

Cigarras X cafeicultores 
Figura 1: Ecdise de uma cigarra

No subsolo, essas larvas se tornarão ninfas móveis. Neste estágio juvenil, elas se alimentam da seiva de plantas. As cigarras introduzem seu aparelho bucal nas raízes de árvores, sugando-lhes os vasos condutores de seiva para conseguir seu alimento. A alimentação da seiva do cafeeiro prejudica a planta, já que é a seiva que conduz os nutrientes necessários para o desenvolvimento do vegetal. É, nesse momento, que as cigarras se tornam pragas importantes de lavouras cafeeiras.

 

Dentre os principais sintomas de infestação por cigarras, encontram-se: a clorose (amarelecimento das folhas por causa de deficiência de nutrientes), a queda das folhas, os danos nas raízes com consequente redução da produtividade ou até mesmo perda da lavoura inteira. Essa situação se agrava com a destruição das matas. Isso porque muitas espécies desses insetos têm como hospedeiros árvores nativas. Sem esses indivíduos, as cigarras adultas acabam pondo seus ovos nas lavouras.

Depois que passam alguns anos no subsolo se alimentando da seiva, as ninfas finalmente emergem. A partir dessa fase, elas são chamadas de ninfas imóveis. Isso ocorre, geralmente, entre os meses de setembro e outubro (no hemisfério Sul), com a chegada da primavera e dos tempos quentes e chuvosos. Durante esse curto estágio, as cigarras não se alimentarão e sofrerão a ecdise (ou muda), que é a troca do exoesqueleto.

Quando ocorre a muda, a cigarra já está em sua fase adulta, pronta para a reprodução. Para que isso aconteça, os machos devem atrair as fêmeas para a cópula. Para isso, realizam aquilo pelo qual as cigarras são mais conhecidas: o canto.

 

A sinfonia da primavera

Os machos das cigarras possuem, nos dois lados de seu abdômen, membranas denominadas tímbalos. Essas membranas, que lembram um tambor, vibram e produzem o som característico desse inseto. O som varia de espécie para espécie. Para realizar essa vibração, o macho utiliza músculos abdominais que comprimem os tímbalos, além de bolsinhas de ar que amplificam o som. O resultado é uma música poderosa, ouvida dia a noite ininterruptamente, podendo chegar a 120 dB!

Esse potente som deu origem a um dos mitos que rondam esse animal. Muitas pessoas acreditam que as cigarras cantam, sem parar, até estourarem. Na realidade, o que muitos pensam ser cadáveres de cigarras, que “estouraram pelas costas” de tanto cantar, na verdade são as exúvias, o exoesqueleto que elas abandonaram quando emergiram do subsolo.

Quer ver o quanto é potente o canto desses pequenos insetos? Clique aqui e ouça o canto da cigarra.

Figura 2: Cigarra adulta e sua exúvia ao lado

 

O ciclo recomeça

A reprodução desses animais ocorre na fase adulta. Após o canto, machos e fêmeas realizam a cópula, onde o macho transfere o esperma para o corpo das fêmeas, onde haverá a fecundação e posterior produção e postura dos ovos.

Existe ainda um outro mito em torno desses animais. Qualquer pessoa que já passou embaixo de uma árvore cheia de cigarras já tomou um “banho” do líquido que elas soltam. Há quem diga que aquilo é urina, outros, que é esperma. No entanto, após a ecdise, as cigarras adultas voltam a se alimentar de seiva, agora extraída do caule das árvores, sem prejudicá-las. Contudo, os insetos podem se alimentar demais, sugando seiva em excesso. E é esse excesso de seiva que é lançado pelas cigarras, numa espécie de “fezes líquidas”.

Já que as cigarras não morrem por cantar demais, o que pode levá-las à morte é o predatismo, pois elas são alimentos de muitos pássaros. É comum ver aves capturando cigarras e batendo com elas no chão para matá-las. Enquanto isso, os ovos postos na casca das árvores começam a eclodir, para que um novo ciclo de cantoras da natureza comece…

 

REFERÊNCIAS

Costa Neto EM. As cigarras (Hemiptera: Cicadidae) na visão dos moradores do povoado de Pedra Branca, Bahia, Brasil. Boletin Sociedad Entomológica Aragonesa, n. 43, 2008.

Martinelli NM; Zucchi RA. Cigarras (Hemiptera: Cicadidae: Tibicinidade) associadas ao cafeeiro: distribuição, hospedeiros e chaves para as espécies. Anais da Sociedade Entomológica do Brasil, v. 26, n. 1, 1997.

Silva MAT. Controle de Quesada gigas (Hemiptera: Cicadidae) pela aplicação de nematoides entomopatogênicos e compatibilidade de alguns produtos fitossanitários em cafeeiro. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Lavras. Lavras: UFLA, 2011.

Souza JC et al. Cigarras-do-cafeeiro em Minas Gerais: histórico, reconhecimento, biologia, prejuízos e controle. 2 ed. Belo Horizonte: EPAMIG (Boletim Técnico, 80), 2007.

 

 

Facebook Comments Box
COMPARTILHAR: