Brumadinho: ainda não aprendemos a lição de Mariana
Após o dia 5 de novembro de 2015, quando a barragem de rejeitos de minérios situada na cidade de Mariana (Minas Gerais – MG) se rompeu, acreditávamos que não haveria outro desastre desse mesmo jeito, nessa mesma proporção. Contudo, no dia 25 de janeiro de 2019, um novo rompimento de barragem de rejeitos ocorreu, agora em Brumadinho (MG), com 231 mortos e 43 desaparecidos. Esse novo desastre ambiental afetou também o Rio Paraopeba, importante corpo de água da região, aniquilando com a fauna do rio e flora das imediações.
Mas como um desastre dessa proporção pode ter ocorrido novamente?
Para que você entenda todo o problema, vamos iniciar com o básico: o que são rejeitos? Nada mais são do que resíduos sólidos resultantes do processo de mineração. Existem dois tipos de resíduos produzidos pela ação das mineradoras: os estéreis e os rejeitos. Os resíduos estéreis geralmente não possuem valor econômico, podendo ser utilizados no próprio sistema de extração dos minérios. Os rejeitos, por sua vez, são resíduos resultantes do processo de beneficiamento do minério, apresentando alto grau de toxicidade, de partículas dissolvidas, de metais tóxicos etc.
Assim, nota-se que, durante o processo de beneficiamento dos minérios, são geradas grandes quantidades de rejeitos, sendo estes armazenados em barragens. Desse modo, as barragens de rejeitos são estruturas construídas para reter os rejeitos produzidos pelo processo de beneficiamento dos minérios, representando uma grande fonte de poluição ambiental.

Figura 1: Extração de minério de ferro.
Agora que você entendeu o que são as barragens de rejeitos, uma pergunta fica no ar:
Essas barragens podem ser construídas em qualquer lugar?
Na verdade, não. Por serem uma grande fonte de poluição, a construção dessas barragens passa por várias normas ambientais, assim como critérios econômicos, geotécnicos, estruturais, sociais e de segurança e risco. As etapas para o desenvolvimento de uma barragem de rejeitos compreendem: a procura do local, o projeto de instalação, a construção, a operação e o fechamento definitivo. Para isso, uma avaliação em grande escala deve ser realizada, com o objetivo de descartar áreas impróprias e classificar as possíveis áreas de construção. Essa primeira análise considera fatores geológicos, geoquímicos e geofísicos para identificar áreas propícias para a exploração de minérios. No entanto, áreas de proteção ambiental e de patrimônio histórico são eliminadas desse processo, pois apresentam impedimentos legais.
Dessa maneira, após a escolha do local, as barragens são construídas em forma de diques, para reter os rejeitos. As barragens de rejeitos a céu aberto são as mais usadas, pois os resíduos podem ser controlados. Isso diminui o impacto ambiental que geraria uma barragem subaquática. Esse foi o tipo de barragem escolhida para ser construída em Mariana e em Brumadinho.
Após a sua construção, a barragem inicia a fase de operação. Nessa fase, os rejeitos são lançados nas barragens, sendo que estas funcionam como um aterro. Segundo estudos, extrai-se inicialmente a água dos rejeitos, garantindo uma fração sólida, a qual será depositada em pilhas nas barragens. Para garantir a estabilidade dessas pilhas de rejeitos, materiais particulados ou granulados são misturados com os resíduos, melhorando a resistência.
Em seguida, ocorre a separação da fração argilosa, a qual permanece na barragem. O material seco é transportado para pilhas controladas, enquanto que a cavidade da barragem (que contém a fração argilosa e úmida) é utilizada para a deposição de rejeitos recentes. Foi exatamente esse material argiloso e lamacento, com rejeitos recentes, que atingiu as cidades de Mariana e Brumadinho. Foram uns dos maiores desastres ambientais já contabilizados no país. No entanto, as barragens também possuem um tempo de vida útil, geralmente de 3 anos. Após esse período, é recomendado que a barragem seja desativada.
As barragens de rejeitos podem sofrer deslocamentos e deformações por agentes internos ou externos. De acordo com alguns estudos, as deformações são identificadas principalmente através de trincas. Elas são causadas por: baixa resistência aos materiais da barragem, alta pressão dos rejeitos, declividade da superfície em que está inserida, etc. Essas deformidades são as principais causas para a diminuição da vida útil de uma barragem, podendo ser decisiva para casos de acidentes.
Mas, a barragem de Brumadinho estava desativada?
A barragem que se rompeu em Brumadinho estava situada no Córrego do Feijão. Ela era avaliada como uma barragem de pequeno porte e com alto potencial poluidor, ou seja, caso se rompesse, os danos à vida humana e ao meio ambiente seriam catastróficos. Por estar inativada, a mesma não possuía seguro. Essa barragem não recebia rejeitos desde 2014 e passava por inspeções de campo quinzenalmente. Contudo, em 2018, os rejeitos dispostos nessa barragem passaram a ser reaproveitados o que, posteriormente, culminaria com o encerramento definitivo das suas atividades.
Outra característica importante a ser mencionada é que toda a barragem necessita de um plano de ação de emergências, caso ocorra algum acidente. Esse plano conta com estratégias e meios de divulgação e alerta das comunidades locais que poderiam ser atingidas. De maneira geral, sirenes de alerta de possíveis acidentes são instaladas nas regiões próximas às barragens, alertando a população em casos de rompimento. No entanto, para a região de Brumadinho, as sirenes nunca soaram, nem mesmo para testes ou treinamentos.

E agora, quais são as consequências?
Em um primeiro momento, há o impacto social. Duzentos e trinta e uma (231) mortes foram confirmadas, além de uma enorme gama de desaparecidos, desabrigados e feridos. A aldeia indígena Pataxó Hã-hã-hãe teve de ser evacuada às pressas, tendo as suas terras cobertas pela lama. Pousadas e pontos turísticos da região também sofreram com o desastre, tendo a economia comprometida.
Com relação aos impactos ambientais, o rompimento da barragem liberou cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Assim, ocorrerão diversos impactos químicos como: sedimentação dos metais tóxicos, incorporação dos mesmos no solo e no fundo dos rios. Além disso, todo o ecossistema será atingido, desde as cadeias alimentares aquáticas quanto as terrestres. De acordo com ambientalistas, os rejeitos já chegaram ao Rio São Francisco. Isso impacta na sua biota, e interrompendo o fornecimento de água para os estados que usufruem deste rio. Outro fator importante é que na região de Brumadinho está localizada uma parte da unidade de conservação do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça, a qual protege seis mananciais. Fatalmente a lama atravessará esse local, matando parte da floresta e muitos animais silvestres.
De acordo com o Greenpeace Brasil, as regras de licenciamento ambiental são muito frouxas o que poderia gerar ainda mais desastres como esse. Dessa maneira nos cabe uma reflexão: “até que ponto desenvolvimento econômico deve ser mais importante que o meio ambiente”?
REFERÊNCIAS
Lozano FAE. Seleção de locais para barragens de rejeitos usando o método de análise hierárquica. Dissertação. 2006.
Machado WGF. Monitoramento de barragens de contenção em rejeitos da mineração. Dissertação. 2007.
Sanchez LE. Manejo de resíduos sólidos en mineria. Montevideo: UNESCO, 1995.