Ambiente e BiologiaPriscila Ortega

Biopirataria: crime ou não?

O Brasil é considerado um país biodiverso, com cerca de 22% das espécies nativas mundiais. Nós somos o país com maior diversidade biológica (biodiversidade) do planeta. Devido à vasta riqueza vegetal e animal, o país é alvo constante de biopiratas. Ao contrário de outras formas de contrabando ou reprodução ilegal de conhecimentos sem autorização de seus proprietários ou detentores, a biopirataria não é tipificada como um ato criminal, mas apenas administrativo. Isso quer dizer que infratores sofrem aplicação de multas.

Figura 1: Umbucajá

Contudo, a biopirataria não é algo recente. Essa prática é observada desde a época do Brasil Colônia. Lembre da exploração predatória do pau-brasil pelos portugueses. Ou ainda, do envio de mudas de seringueira da região norte brasileira para a Ásia, no final do século XIX. No entanto, o termo ficou mais conhecido a partir de denúncias que foram veiculadas na mídia sobre produtos tipicamente brasileiros, mas que tiveram seus nomes registrados e patenteados em outros países. Além do cupuaçu, o açaí, a copaíba e a andiroba também estão na lista de produtos biopirateados.

De maneira simplificada, a biopirataria consiste na exploração, manipulação, exportação de recursos biológicos, com fins comerciais. Para você entender melhor, a biopirataria poderia ser retratada como uma espécie de contrabando de organismos vegetais e animais, com apropriação de seus princípios ativos e monopolização desse conhecimento por meio do sistema de patentes. Um exemplo é o cupuaçu, típico do nosso país, mas que teve seu nome popular registrado como marca por diversos países. Isso obrigou o Brasil a pagar royalties ao exportar produtos à base desse fruto.

Por que ocorre a biopirataria?

Estudos desenvolvidos por Piedade (2008) mostraram que diversos fatores contribuem para esse processo. Por exemplo: o não reconhecimento dos conhecimentos populares e tradicionais, a inexistência de criminalização por quem comete biopirataria, a visão privatista das pesquisas acadêmicas, entre outros. Além disso, em sua pesquisa desenvolvida com o cupuaçu, os próprios cientistas que estudavam o fruto não conheciam as legislações de acesso ao patrimônio genético ou de patentes.

O processo de biopirataria denuncia um quadro de extrema fragilidade do meio ambiente brasileiro, com a verdadeira omissão do Poder Legislativo do país.

Vale ressaltar também que a má distribuição da diversidade biológica e dos recursos financeiros e tecnológicos contribuem de maneira significativa para essa prática. De um lado estão os países pobres que mantêm grande parte da biodiversidade do planeta sem contar com o apoio financeiro e tecnológico capaz de dirigir o uso da biodiversidade a patamares de sustentabilidade; e de outro estão os países desenvolvidos, com tecnologia, que realizam pesquisas de ponta com os produtos obtidos dos países mais pobres. Diante de suas descobertas, esses países registram as patentes e se recusam a dividir os benefícios.

 

O que você sabe sobre biopirataria?

Será que nós sabemos sobre a existência dessa prática em nosso país? Será que a população, de modo geral, sabe que isso existe?

Rezende e Ribeiro (2005) mostraram que a população está mais atenta sobre o tema, tendo uma percepção geral sobre a biopirataria, principalmente quando esta é abordada na mídia. De modo geral, existe uma crescente conscientização das riquezas naturais e culturais existentes no país. No entanto, ainda existe pouco conhecimento sobre as maneiras de proteção e regulação dos produtos naturais.

Estudos desenvolvidos por Aoki (1998) revelam que a regulamentação e a proteção dos produtos naturais através de patentes são extremamente importantes, contudo, o processo precisa ser melhor discutido, para que todos possam ter acesso, evitando a biopirataria. Além disso, os próprios cientistas precisam adquirir uma posição mais “justa”, desestimulando a competição, dando espaço e voz àqueles que não fazem pesquisa, mas que possuem um conhecimento adquirido com o tempo e com a natureza.

 

Como podemos combater a biopirataria?

Primeiramente, através de uma legislação mais rígida, que criminalize essa prática. Além disso, o reconhecimento da cultura adquirida através da convivência com a natureza deve ser estimulado.

Os povos indígenas com a sua cultura e tradição precisam ter um maior espaço, sendo ouvidos e reconhecidos pelos cientistas.

O país também precisa de maiores investimentos em pesquisas voltadas para o desenvolvimento da biotecnologia nacional, para assim explorar de maneira sustentável a natureza e patentear as próprias riquezas.

E ainda falta a conscientização e educação ambiental, com projetos desenvolvidos nas escolas, com a participação da comunidade, para que todos saibam que a biopirataria é uma prática ilegal e que explora os recursos naturais com a finalidade de obter capital.

A educação ainda é a chave para um país melhor, mais responsável e mais consciente.

 

REFERÊNCIAS

Aoki K. Neocolonialism, anticommons property, and bioparacy in the (not-so-brave) new world order of international intellectual property protection. Indiana Journal of Global Studies. 1998.

Gomes RC. O controle e a repressão da biopirataria no Brasil. Jurisp. 2007.

Piedade FL. Biopirataria e o direito ambiental: Estudo de caso do cupuaçu. Dissertação para título de Mestre em Ecologia Aplicada. Universidade de São Paulo, Piracicaba. 2008.

Rezende EA e Ribeiro MTF. Conhecimento tradicional, plantas medicinais e propriedade intelectual: biopirataria ou bioprospecção? Revista de Gestão Social e Ambiental. 2005.

Rezende EA e Ribeiro MTF. O cupuaçu é nosso? Aspectos atuais da biopirataria no contexto brasileiro. Revista de Gestão Social e Ambiental, 2009.

Rull V e Vegas-Vilarrúbia T. Biopiracy: conservationists have to rebuild lost trust. Nature. 2008.

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