Ambiente e BiologiaTúlio Lima Botelho

As pequenas e vorazes plantas carnívoras

Todos sabemos que as plantas precisam de água e nutrientes do solo. Além disso, elas também precisam da luz solar para produzir seu alimento através da fotossíntese. Também sabemos que os solos podem ser mais ou menos férteis. As espécies de plantas que vivem em solos menos férteis desenvolveram estratégias para manter-se vivas ali. Para conseguir os nutrientes necessários, elas se tornaram mais ativas, capturando suas presas.

As plantas carnívoras chamam a atenção de muitas pessoas. Essa admiração, e até mesmo um temor, se intensificou com filmes e desenhos animados mostrando esses seres vivos como predadores sanguinários, capturando todos os animais de grande porte que cruzam seu caminho.

Na realidade, esses vegetais não são tão perigosos assim, a não ser que você seja um inseto.

Conhecidas há bastante tempo pelos naturalistas, as plantas carnívoras foram descritas por Charles Darwin em seu livro Insetivorous Plants, de 1875. Nele, o cientista britânico descreve seus experimentos com várias espécies desse tipo de vegetal, principalmente as do gênero Drosera (Droseraceae). Ele estudou os mecanismos de captura de alimento, afirmando que isso promovia o crescimento do vegetal e a produção de sementes. Além disso, Darwin indicou que as origens da carnivoria em vegetais podia ter origens distintas.

De modo geral, acredita-se que esse processo se iniciou em ancestrais que possuíam tricomas glandulares, uns “pelinhos” cheios de substâncias, presentes nas folhas das plantas. Assim como suas descendentes atuais, essas ancestrais viviam em ambientes pedregosos ou com solos pobres, onde faltavam vários nutrientes essenciais para a fotossíntese, como o nitrogênio e o fósforo.

Com a falta desses elementos, essas plantas desenvolveram adaptações para “se virar” nessa realidade. Surgiam, então, as estratégias de captura e digestão das presas, que forneceriam os nutrientes necessários para a planta completar sua busca e realizar a fotossíntese normalmente.

Acredita-se que, as primeiras plantas carnívoras do mundo eram responsáveis pela captura, provavelmente com o uso de substâncias pegajosas. A digestão das presas ficava a cargo de bactérias e fungos, que “repartiam” os produtos com as plantas.

 

Em busca de alimento

Para ser considerada carnívora, a planta deve apresentar três pré-requisitos:

 

  • ser capaz de atrair insetos:

A atração pode ser feita com cores brilhantes e, principalmente, odores chamativos. Esses vegetais liberam substâncias bem cheirosas para as suas presas, atraindo-as para suas armadilhas. Outras, no entanto, são capturadas quando passam por ali, ou caem nas armadilhas por engano.

Pesquisas recentes publicadas na revista Current Biology em 2015 mostraram que plantas carnívoras encontradas em Bornéu conseguem atrair morcegos utilizando a ecolocalização desses animais. Esses vegetais, pertencentes ao gênero Nepenthes, possuem folhas no formato de jarros, onde estão as substâncias digestivas. Esses “jarros” refletem as emissões dos morcegos, destacando-se em meio a floresta. Percebendo a localização dessas plantas, os animais vão se diretamente se empoleirar nelas para descanso.

Nesse caso, as Nepenthes não digerem o morcego, mas absorvem os nutrientes necessário a partir das fezes que o mamífero deposita em seus “jarros”.

 

  • capturá-los:

A captura dos alimentos, que podem ser artrópodes (grande maioria), moluscos e pequenos vertebrados, como anfíbios, roedores e pássaros, se dá pelas diferentes armadilhas que cada espécie de planta carnívora possui. As clássicas dioneias (gênero Dionaea), iguais as que abrem esse artigo, possuem armadilhas ativas do tipo jaula. Esse tipo é acionado quando o inseto pousa na folha, cuja toque dispara um “gatilho” que permite o fechamento da armadilha e prisão do pequeno artrópode.

As droseras, como as da imagem a seguir, possuem em suas folhinhas vários tricomas (“pelinhos”) repletos de glândulas produtoras de substâncias pegajosas, próprias para capturar presas. Quando um inseto desavisado pousa numa dessas plantinhas, fica preso nesse muco. Para garantir que o inseto não fuja, as droseras enrolam o inseto em suas folhas, que fica se debatendo. Esse movimento libera mais muco, além de enzimas digestivas que começam a degradar o animal.

Existem também as chamadas armadilhas passivas, onde a planta não se move para a captura. Os gêneros Sarracenia e Nepenthes possuem folhas especiais que assume o formato de jarros, preenchidos com substâncias digestivas. Quando as presas caem nessas estruturas, começam a ser digeridas e as plantas conseguem seus nutrientes.

Um fato que intrigou botânicos por muito tempo foi como as plantas carnívoras conseguiam diferenciar potenciais presas dos polinizadores, necessários para a reprodução da espécie. Para verificar como isso acontecia, Elsa Youngsteadt e sua equipe da Universidade do Estado da Carolina do Norte (EUA) analisaram a atividade de mais de 600 insetos que visitavam a carnívora Dionaea muscipula; os resultados foram publicados este ano na revista The American Naturalist.

Eles perceberam que as dioneias traçam uma estratégia muito eficiente para que seu polinizadores não virem alimento. Suas flores ficam em posição muito mais alta (de 15 a 35 centímetros) que as folhas armadilhas. Desse modo, um polinizador pode se alimentar do néctar da planta carnívora calmamente, sem correr nenhum risco. No entanto, aqueles que não são atraídos pelas flores podem ser atraídos pelas folhas, virando alimento dessas pequenas plantinhas.

Figura 1: Visão dos tricomas glandulares de uma Drosera contendo o muco que ajuda na captura dos insetos

 

  • digeri-los:

Para realizar a digestão das presas, a principal estratégia é o uso de enzimas produzidas pela própria planta. Outras no entanto, não são capazes de produzir tais substâncias, estabelecendo relações mutualísticas com animais para que ela consiga os nutrientes necessários. É o caso das plantas carnívoras do gênero Roridula.

As duas espécies desse gêneros capturam suas presas usando armadilhas colantes, semelhantes às da drosera (no vídeo a seguir, você pode ver uma planta dessas capturando uma vespa). Esses vegetais estabeleceram relações com duas espécies de percevejos e com uma de aranha, que se alimentam dos insetos capturados pela planta. Para conseguir o nitrogênio necessário para seu metabolismo, a Roridula absorve as fezes dos artrópodes simbiontes, que vivem nas proximidades sem serem capturados.

 

Casos assim nos permitem perceber como a natureza age para permitir que os seres vivos ocupem lugares diferentes do planeta. Eles se adaptam para poder sobreviver diante das dificuldades impostas pelo ambiente.

E esqueça os filmes e desenhos, as plantas carnívoras são completamente inofensivas para seres humanos!

 

REFERÊNCIAS

Matos EHSF. Espécies de plantas carnívoras e seu cultivo . CDT/UnB. 2012.

Schöner MG et al. Bats Are Acoustically Attracted to Mutualistic Carnivorous Plants. Current Biology.2015.

Silva PSMG. Revisão taxonômica do clado tetraploide-brasileiro de Drosera L. (Droseraceae).  Dissertação (Mestrado em Ciências) – Universidade de São Paulo, São Paulo. 2012.

Youngsteadt E et al. Venus Flytrap Rarely Traps Its Pollinators . The University of Chicago Press Journal. 2018.

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