Alison ChavesSaúde

Vírus também conversam

Vírus estão entre as menores entidades estudadas pela biologia. Embora possuam genoma e alguns comportamentos semelhantes aos comportamentos de seres vivos, os vírus são incapazes de replicar sem o auxílio de uma maquinaria celular. Por essa razão, a microbiologia tem admitido que vírus não são entidades vivas. Acredita-se que a célula é a menor unidade da vida. Essas pequeninas entidades não vivas são agentes infecciosos. Eles jamais haviam sido observados até a invenção do microscópio eletrônico, em 1931. No entanto, além de extremamente pequenos, eu disse a você que os vírus possuem comportamentos que nos fazem pensar se eles são ou não são seres vivos. Vamos examinar um desses comportamentos por meio de estudos muito recentes.

O grupo do microbiologista Rotem Sorek, do Instituto de Ciências Weizmann em Israel, vem estudando há algum tempo o que chamamos de vesículas extracelulares em bactérias. Essas vesículas podem ser formadas dentro das células ou podem ser fragmentos da membrana celular que se desprendem e carregam moléculas da célula da qual se originaram. O grupo do Dr. Sorek demonstrou recentemente que essas vesículas extracelulares de bactérias podem transferir a susceptibilidade de uma cultura sensível para outra cultura resistente.

Certamente, com seu raciocínio sagaz, você já sabe que bactérias possuem sofisticados sistemas de transferência de informação, como aquele famoso quorum sensing. Chamamos quorum sensing a habilidade que as bactérias possuem de controlar sua densidade populacional através da sinalização celular, isto é, quando a densidade celular está muito alta, as bactérias produzem e liberam moléculas sinalizadoras que regulam o crescimento para benefício da população. No entanto, o sistema descrito por estes pesquisadores não parece ter relação com quorum sensing bacteriano.

Então, qual é a novidade no trabalho do grupo israelense? O sistema descrito pelo grupo de Sorek lembra mais uma forma de manipulação viral do que uma genuína comunicação celular entre bactérias. A novidade veio com a publicação do trabalho intitulado “Communication between viruses guides lysis-lysogeny decisions” – numa tradução didática: A comunicação entre vírus norteia a decisão entre lisar ou não a célula infectada.

Numa rápida definição, chamamos de ciclo lítico o período em que os vírus no interior de uma célula começam a rompê-la (lise). Isso causa sua morte. O ciclo lisogênico é o período em que esses vírus estão dormentes no interior da célula, apenas controlando seu metabolismo. Neste estudo, os pesquisadores injetaram o vírus bacteriófago phi3T num frasco de cultura da bactéria Bacillus subtilis. Então, os cientistas observaram que o vírus tendia a matar a bactéria. Os pesquisadores se perguntaram se poderia haver algo no meio de cultura. Algo produzido pelo vírus com o programa lítico ativo, que pudesse controlar a infecção. Esta pergunta não é exatamente nova já que há muitos anos já se sabe que um patógeno altamente virulento tem seu valor adaptativo (fitness) diminuído quando seu status de virulência é tão alto que ele mata o hospedeiro antes mesmo de a infecção ser transmitida.

Para investigar se havia alguma molécula efetiva no controle da infecção, os pesquisadores usaram o conteúdo do frasco de cultura de Bacillus subtilis infectadas com o vírus phi3T. O meio de cultura foi filtrado para remover tanto bactérias como partículas virais, permitindo que apenas moléculas tão pequenas quanto proteínas estivessem presentes. Vamos chamar esta solução filtrada de “meio condicionado”. Os pesquisadores inocularam uma cultura nova de bactérias e vírus neste meio condicionado. Surpreendentemente, este experimento mudou o modo como os vírus agiam: em vez de matar as bactérias (ciclo lítico), o vírus integrava o DNA no genoma delas e permanecia dormente (ciclo lisogênico). Portanto, alguma molécula presente no meio condicionado foi capaz de sinalizar para a mudança do programa lítico para um programa lisogênico nesses vírus. O grupo batizou a molécula, ainda misteriosa, de ‘arbitrium’ (do Latin, decisão) e estão trabalhando na sua identificação.

Diz aí, você esperava que houvesse um mecanismo tão sofisticado de comunicação executado por a uma população viral?


Referências

Miller MB, Bassler BL. Quorum sensing in bacteria. Annual Review of Microbiology. 2001

Erez Z, Steinberger-Levy I, Shamir M, Doron S, et al. Communication between viruses guides lysis–lysogeny decisions. Nature. 2017

Tzipilevich E, Habusha M, Ben-Yehuda S. Acquisition of Phage Sensitivity by Bacteria through Exchange of Phage Receptors. Cell. 2017

Ofir G, Sorek R. Vesicles Spread Susceptibility to Phages. Cell. 2017

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