Alison ChavesSaúde

Viroterapia oncolítica: Zika na luta contra o câncer no cérebro

Vírus são criaturas muito pequenas bem conhecidas pelas doenças que causam. No entanto, você sabia que eles podem fazer muito mais que apenas causar doença? Estes “Oompa Loompas” microscópicos já foram usados aqui no Brasil para o controle de insetos em plantações de soja na década de 1980, por exemplo. Entretanto, quero chamar sua atenção para outro uso dos vírus que tem sido muito interessante para a medicina, seu uso contra uma doença já abordada aqui no Eureka (saiba mais aqui e aqui): o câncer. Esse uso é chamado de viroterapia oncolítica.

Usar um vírus para tratar um tipo específico de tumor é uma estratégia bastante inteligente. Isso porque o vírus tem tropismo por tecidos específicos. Chamamos tropismo a capacidade dos vírus de escolher preferencialmente um tecido ou outro para se instalar. Por exemplo, o vírus da raiva tem preferência por neurônios, enquanto o vírus influenza tem tropismo por células epiteliais das vias respiratórias.

Por outro lado, há vírus que infectam indiscriminadamente diversos tipos de células, como é o caso dos adenovírus. Mesmo estes, a priori sem tropismo, podem ser modificados para ter como alvo células tumorais. O adenovirus H101, por exemplo, foi modificado para eliminar células que possuem uma mutação típica de muitos tipos de tumor (no gene p53). De fato, foi o primeiro vírus a ter registro formal como terapia para tumores de cabeça e pescoço na China, em 2005.

Bem antes disso, em 1991, o vírus do herpes simples (HSV) já havia sido modificado em laboratório para atenuar sua neurovirulência. A ideia por trás desta modificação era usar o vírus em animais de experimentação para combater o glioblastoma (um tipo de tumor cerebral), sem causar a doença típica do herpes vírus.

Desde então uma série de modificações no genoma do HSV e outros vírus têm sido produzidos e aplicados em testes clínicos. Houve sucesso no tratamento de glioma, melanoma, mesotelioma, tumor de ovário e muitos outros.

Mais recentemente, o grupo do Professor Milan G. Chheda reportou um achado muito interessante sobre o Zika virus (ZIKV) como uma potencial arma no combate ao glioblastoma.

Desenho do cérebro humano.

O glioblastoma é um tipo de tumor do sistema nervoso central. Ele é bastante agressivo e, frequentemente, reaparece após uma cirurgia para retirada da massa tumoral. Geralmente, a recidiva acontece nas proximidades da margem de ressecção do tumor. Isto se deve ao fato de que é muito difícil estimar com precisão até onde vai o tumor, complicando o cálculo de uma boa margem de segurança para não deixar sequer uma célula tumoral restante, sem comprometimento da função do órgão acometido.

Como esperado, O professor Chheda observou diferenças nos padrões de infecção pelo ZIKV em adultos e fetos. Os quadros mais graves da infecção pelo ZIKV são realmente vistos em recém nascidos e não em adultos. Aparentemente, durante o desenvolvimento embrionário temos muito mais células indiferenciadas no sistema nervoso central e o ZIKV induz a morte dessas células indiferenciadas. Essas células indiferenciadas não são comuns no cérebro de um indivíduo adulto.

Os achados do professor Chheda revelam que o ZIKV infecta preferencialmente células tumorais menos diferenciadas em relação aquelas células tumorais em estágios mais diferenciados. Como as células saudáveis do indivíduo possuem marcas de diferenciação, o vírus as preserva.

O mais interessante é que são exatamente os tumores indiferenciados que apresentam menores resultados para os tratamentos convencionais.

Para testar o efeito oncolítico do ZIKV, o grupo de Chheda infectou camundongos portadores de glioblastoma com o ZIKV. O resultado foi uma sobrevida consideravelmente maior em relação aos tratados apenas com solução salina. Embora o grupo tenha mostrado que o processo de atenuação do vírus preserva seu potencial oncolítico, o grupo está modificando o ZIKV para torná-lo incapaz de causar doença e assim explorar esse potencial terapêutico com maior precisão.

A possibilidade da utilização do ZIKV contra o câncer de cérebro é muito promissora.

 

REFERÊNCIAS

Rohrmann GF. Baculovirus Molecular Biology  [Internet]. 3rd edition. Bethesda (MD): National Center for Biotechnology Information (US). Chapter 9, Baculoviruses as insecticides: Three examples. 2013.

Stephen JR, Peng KW, Bell JC. Oncolytic Virotherapy . Nature biotechnology 2012

Guo J, Xin H. Chinese gene therapy. Splicing out the West?  Science. 2006

Zhu Z, Gorman MJ, McKenzie LD, et al. Zika vírus has oncolytic activity against glioblastoma stem cells . J Exp Med. 2017

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