O segredo do sucesso evolutivo humano
O planeta Terra já abrigou incontáveis espécies de seres vivos. Desde a simples bactéria primordial de 4 bilhões de anos atrás até toda a diversidade de vida que encontramos no planeta atualmente. É impossível quantificar com exatidão tudo o que já passou por aqui. No entanto, é fato que alguns grupos se destacaram: insetos gigantes, peixes, anfíbios, répteis e mamíferos. Todos os organismos vivos atualmente presentes na Terra tem o mesmo sucesso evolutivo. No entanto, ninguém poderia imaginar que macacos das selvas africanas um dia ocupariam quase todas as áreas da Terra. Com o sucesso evolutivo humano, construímos moradias, veículos, ampliamos a visão para muito além da órbita terrestre.
A humanidade começou pequena, com pequenos grupos de hominídeos, que ainda se pareciam muito com macacos, vivendo nas savanas africanas. Eles viviam de frutos e outros produtos vegetais que coletavam nesse ambiente. Eram presas fáceis para feras como leões e outros grandes felinos. Estranho pensar que hoje, infelizmente, somos os predadores maus que acabam com presas inocentes.
Os mais de 2 milhões de anos de evolução da humanidade, ocorreu a origem de diversas espécies de hominídeos. Algumas vivendo ao mesmo tempo que outras na Terra. A velha imagem da evolução humana como algo linear, iniciando em um chimpanzé e terminando em um ser humano moderno, é totalmente falsa e incorreta. Vários primos nossos conviveram durante a pré-história.
O homem moderno conviveu, pelo menos, com duas outras espécies: o Homo erectus e, posteriormente, com o Homo neanderthalensis. Agora, considerando todas as outras linhagens de hominídeos que surgiram do mesmo ancestral comum que o Homo sapiens e foram extintas “no meio do caminho”, pode-se dizer que o ser humano moderno não possui uma linha evolutiva, mas sim um arbusto evolutivo em que vários galhos foram extintos e apenas um trouxe ele até os dias de hoje.
Vamos refletir?
Qual foi o diferencial do Homo sapiens para conseguir vencer a luta pela sobrevivência e chegar aos dias de hoje transformando tanto o planeta Terra?
Em algum momento, a seleção natural manteve algo na espécie humana para ela ser o que é hoje. Na realidade, não foi só uma característica, mas um conjunto que, somadas, permitiram a expansão dos descendentes daqueles macacos ancestrais.
A espécie humana sempre foi gregária, ou seja, vive em grupos. Em toda a sua história, viver com outros da mesma espécie possibilitou segurança, alimento e parceiros para reprodução. O ser humano não é uma espécie robusta, que intimida e tem força bruta para lutar contra predadores. Talvez, por isso, foi viver em grupos, o que ajudou a enfrentar as feras, conseguir alimentos, já que as tarefas eram divididas. Além disso, machos e fêmeas não precisavam sair por aí em busca de parceiros para perpetuar a espécie, tudo estava mais próximo.
E o que mais foi importante?
A evolução da visão humana também foi crucial para se sobressair perante os demais. Quando o H. sapiens começou a caçar, sua visão binocular (com os dois olhos voltados para frente) permitiu grande eficiência nesse ato, pois os olhos voltados para frente garantem melhor focalização na presa, calculando distância com eficiência e planejando um golpe certeiro.
O bipedalismo, que é capacidade de andar sobre duas patas, foi também crucial para a arrancada evolutiva dos primeiros hominídeos. Ao liberar as mãos, foi possível a criação de objetos e ferramentas, e a presença dos polegares opositores possibilitou agarrar objetos. A partir de então, a humanidade podia fabricar utensílios e, finalmente, manusear o fogo.
O domínio sobre esse recurso ajudou o ser humano em todos as aspectos de sua existência: desde questões sociais e de sobrevivência como o aquecimento e proteção, até o desenvolvimento fisiológico, como o ocorrido no cérebro. Com o fogo, foi possível cozinhar alimentos e permitir melhor mastigação e aproveitamento de nutrientes presentes nos alimentos, principalmente na carne. Esse aproveitamento proporcionou o crescimento do cérebro humano, desenvolvendo-se em níveis nunca vistos no Reino Animal.
O cérebro!
A neurocientista brasileira Suzana Herculano-Houzel afirma que dentre os cérebros dos primatas, o humano é o que possui maior número de neurônios, possibilitando a cognição e comportamento que ele apresenta. Áreas primitivas do órgão foram suplantadas com várias camadas de células, que permitiram o desenvolvimento da razão sobre o puro instinto animal. Hoje o ser humano convive com seu lado primitivo do cérebro, ligado às impulsividades, agressões e comportamentos sexuais, mas também apresenta comportamentos mais “sofisticados”, ligados ao discernimento e racionalidade.
O cérebro permitiu o desenvolvimento da linguagem, da construção de objetos, moradias, veículos e muitas outras facilidades do mundo moderno. Por muito tempo a humanidade se achou a obra-prima da Criação, distante dos “seres inferiores” e autorizada a fazer o que quisesse. Por sorte, esse conceito vem caindo e estamos percebendo que somos parte da mesma natureza que nos criou. O segredo do nosso sucesso pode nos arruinar, cabe a nós fazer a melhor escolha.
REFERÊNCIAS
D’Amaro, P. A evolução humana: de onde viemos? Para onde vamos? São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2006.
Futuyma DJ. Biologia Evolutiva. 2 ed. Ribeirão Preto: SBG, 1992.
Herculano-Houzel, S. The Human Brain in Numbers: A Linearly Scaled-up Primate Brain . Frontiers in Human Neuroscience. 2009;3:31.
Leonard,WR. Alimentos e evolução humana. Scientific American Brasil, v. 2, n. 8, p. 42-9, 2003.
Interessante tema! Túlio, você explorou diversas adaptações que são justificadas e oferecem, de fato, algum benefício (como a visão binocular, bipedismo, etc). Entretanto, há um tanto de outras características que foram selecionadas por processos outros que não a seleção natural. Por exemplo, a cobertura pilosa humana, até onde sei, não oferece vantagem se comparada com nossos ancestrais diretos que apresentam volumosa cobertura pilosa. Entendo que, nesses casos, o processo de seleção sexual é mais importante que a seleção natural. Sobre a cobertura pilosa, especificamente, não fui capaz de encontrar literatura especializada. Você pode me indicar alguma? Consegue me adiantar se, de fato, não há vantagem evolutiva em perder a cobertura pilosa? Porque mantemos cabelos nas regiões que mantemos?
Boa noite, André! Ótimos questionamentos.
Conheço alguns artigos sobre o tema, que estou linkando logo abaixo. Hoje existem, basicamente, 3 hipóteses para a perda dos pelos: a primeira vem de um suposto ancestral humano aquático (ou semi-aquático), que para viver na água perdeu os pelos para facilitar o nado. É uma ideia que tem muito descrédito que deu brechas para “afirmações” de que esses ancestrais seriam sereias (aí a pseudociência veio com tudo); sem falar que provas paleontológicas mostram que a evolução humana não foi bem assim. Outra hipótese é a de que perdemos pelos para refrescar o corpo, já que o calor da savana é muito grande. Com menos pelos, diminui-se o isolante térmico natural e a temperatura corporal não passa do limite. Tá, mas porque os cabelos continuaram? Talvez para proteger o couro cabeludo dos raios solares. Li que os pelos pubianos continuaram para proteger os órgãos genitais de microrganismos e outros parasitas. Por fim, outra hipótese diz que a perda dos pelos teve como vantagem evolutiva a diminuição da incidência de ectoparasitas (como carrapatos e pulgas). Um corpo pelado é mais fácil de ser vistoriado e limpo do que um corpo peludo. A seleção sexual, como bem disse, também teve sua participação, com a escolha de indivíduos menos peludos para procriar e, assim, manter esse padrão genético de diminuição de pelos. Acredita-se também que isso possa ter origem no efeito fundador: alguma coisa ocorreu e a linhagem humana ficou restrita a grupos com menos pelos e, a partir deles, chegamos aos dias de hoje. Enfim, são muitas ideias, mas nada certeiro ainda. Pessoalmente, acho que a hipótese da diminuição da temperatura corporal e diminuição dos parasitas sejam vantagens evolutivas bem importantes para esse processo. Abaixo vou deixar os links:
Pagel, Mark. Por que os humanos são os únicos primatas “pelados”? Disponível em:
Pagel, Mark and Bodmer, Walter (2003). “A naked ape would have fewer parasites”. Disponível em:
Schwartz, GG; Rosenblum, LA (1981). “Allometry of primate hair density and the evolution of human hairlessness”. American Journal of Physical Anthropology 55 (1): 9–12. Disponível em:
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