André BarcellosTecnologia

O que é que não é Mecânica Quântica?

Você certamente já viu o termo “quântico” sendo usado por aí. E nem sempre por um físico, não é verdade?  Neste texto, vamos discutir algumas noções básicas de mecânica quântica com uma pitadinha de história da ciência. Que tal?

Mecânica Quântica: Uma visão geral

A mecânica quântica surge no início do século XX como uma alternativa que poderia explicar algumas observações que a mecânica clássica, ou mecânica newtoniana, não dava conta. Para citar um exemplo, lembro de duas famosas experiências: a do efeito fotoelétrico, que ficou famoso pela descrição dada por Einstein, e a experiência da dupla fenda.

O efeito fotoelétrico, ou efeito Hertz, foi descoberto no fim do século XIX e explicado por Einstein no início do século XX. Foi observado que, em determinadas circunstâncias, um corpo metálico ao ser irradiado com ondas eletromagnéticas (luz) ejetava elétrons de sua superfície. O que é muito curioso nessa experiência é que a luz, como você sabe, não possui massa, já o elétron tem! Como uma coisa sem massa pode “empurrar” uma que possui massa? Seria como se toda a vez que você acendesse a luz do seu quarto você levasse uma surra da luz que sai da lâmpada. Loucura, né? A Figura 1, ilustra esse efeito muito curioso. 

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Figura 1: Ilustra o efeito fotoelétrico. As curvas em vermelho (a esquerda) simbolizam a radiação eletromagnética – luz – incidindo em uma placa metálica. As bolas com o sinal “-” inscrito simbolizam os elétrons que, eventualmente, são ejetados da placa por conta de serem irradiados com luz acima de determinada frequência.
O efeito fotoelétrico

Para além dessa estranheza, ainda se observa que o efeito fotoelétrico só começa a acontecer a partir de um determinada frequência da luz emitida (que varia para o tipo de metal utilizado) e que os elétrons são instantaneamente ejetados quando a placa metálica é irradiada. Isso implica que o efeito não pode ser satisfatoriamente explicado utilizando os famigerados “saltos quânticos” (pulos de uma órbita para outra que os elétrons realizam quando absorvem energia). Se esse fosse o caso, existiria um certo atraso referente a absorção da energia irradiada pelo elétron. É, literalmente, como se o elétron fosse empurrado diretamente, tal qual um encontrão entre duas bolas de sinuca. 

Esse fenômeno só teve uma descrição a contento com Einstein, no início do século XX. Ele associa à luz uma partícula, conhecida hoje como fóton. Ele define essa partícula como sendo o “quantum” da luz (quantum = do latim, pacote ou quantia). Portanto, para ele, a luz seria composta de diversos pedacinhos responsáveis por carregar a energia da onda, em outras palavras, a radiação eletromagnética seria discretizada e corpuscular. Esses pedacinhos, apesar de não possuírem massa, são dotados de momento linear1 e por isso podem interagir dessa forma com a matéria.

Não havia dúvidas, a luz é composta por partículas! O que é chocante, uma vez que luz era encarada quase sempre, até então, somente como onda eletromagnética!

Observando comportamentos estranhos

Por sua vez, a famosa experiência da dupla fenda, realizada por Young, abala as concepções sobre a corpuscularidade de partículas subatômicas (como elétrons e prótons). Essa experiência consiste em irradiar, primeiramente, uma única fenda com abertura suficiente para difratar a luz (vide Figura 2). Depois disso, irradia-se duas fendas simultaneamente. O que se vê, nesse caso é um padrão de interferência causado por duas ondas circulares produzidas uma em cada fenda (vide Figura 3). Na Figura 4, você pode observar esses padrões produzidos pela irradiação de um feixe de luz vermelha.

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Figura 2: Difração (a direita) de uma onda retangular (a esquerda).  Observe que antes de atingir a fenda (em vermelho) as frentes de ondas são todas retangulares. Depois de passar pela fenda, as frentes de onda passam a ser circulares.
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Figura 3: Difração em dupla fenda. Observa-se que as duas ondas circulares produzidas, uma em cada fenda, acabam se interferindo e produzem um padrão típico conhecido como padrão de interferência.
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Figura 4: Padrão de difração da luz vermelha em uma fenda (acima) e em duas fendas (abaixo).

Até aqui, a experiência feita por Young não demonstra nada de estranho. Apenas ondas difratando, certo? Então, os cientistas resolveram realizar essa mesma experiência, usando partículas (como elétrons, prótons e nêutrons) ao invés de ondas (como a luz). Com uma única fenda, o padrão que se vê em um anteparo instalado depois da fenda é o que está mostrado na Figura 5: todas as partículas na mesma direção da fenda – o que faz todo o sentido, correto? 

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Figura 5: Padrão visto pela emissão de partículas por uma fenda. Perceba que todas elas, como era de se esperar, se concentram na região imediatamente próxima a fenda.

Emitindo essas partículas por duas fendas, o que se espera no anteparo? Duas regiões marcadas (Figura 6a), certo? Mas o que se observa é, muito estranhamente, um padrão de interferência como se essas partículas fossem ondas (Figura 6b)!

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Figura 6: À esquerda, o padrão esperado ao se emitir partículas por duas fendas. A direita, o padrão que se observa para a montagem experimental descrita. Estranhamente, este padrão é o mesmo observado quando são emitidas ondas!

Essa experiência com duas fendas utilizando partículas revela um estranho comportamento: as partículas, ou pretensas partículas, ora se comportam como se espera, como corpúsculos, ora comportam-se como ondas! Intrigadíssimos com essa estranheza, os cientistas apostaram que quando todas as partículas são emitidas juntas, elas acabam se colidindo e, como resultado, formam um padrão semelhante ao padrão de interferência. Então, resolveram emitir partícula por partícula, como você pode ver nessa experiência feito pelo dr. Akira Tonomura e sua equipe (Figura 7). Adivinha só? O mesmo padrão de interferência surge depois de um tempo! Como isso é possível?! 

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Figura 7: Resultado da experiência de emitir partículas, uma a uma, por uma dupla fenda. Para essa experiência foi usado um feixe de elétrons de baixíssima frequência, cerca de 10 elétrons por segundo (a). Depois de 20 minutos, o padrão de interferência já podia ser visto (d)!

Há várias outras experiências que revelam essa dualidade, conhecida como dualidade onda-partícula. Afinal, um elétron é uma partícula ou uma onda?

Agora pasmem… É possível repetir a experiência do Dr. Tonomura usando um detector em uma das fendas que sinaliza sempre que um elétron passa por ali. Nessa configuração, o resultado experimental é o padrão esperado para partículas (Figura 6a)!  Achou estranho? Pois é, muitos cientistas também! Louis de Broglie, Heinsenberg, Erwin Schrödinger, Einstein e tantos outros tentaram, sem sucesso, responder de maneira assertiva qual é a natureza real do elétron. A conclusão que muitos desses chegaram foi a de que isso não importa, basta saber prever com algum grau de certeza qual será o resultado obtido para um determinado arranjo experimental. Surge a ciência das probabilidades, a mecânica quântica!

O experimento do gato

Já que não é possível precisar inequivocamente, de antemão, que comportamento o ente (elétron, próton, etc) demonstrará, o que se pode fazer é estabelecer probabilidades (em “fisiquês”: funções de onda). Foi preciso abdicar da realidade do fenômeno para descrevê-lo satisfatoriamente. Dependendo do arranjo experimental, por exemplo, um elétron pode ter 60% de chances de se comportar como partícula e 40% como onda. 

Para ilustrar o que significa isso, Erwin Schrödinger propõe um experimento mental muito famoso, conhecido como “o gato de Schrödinger”.

Imagine uma caixa onde dentro está um gato e um dispositivo especial que opera da seguinte maneira: a cada 1 hora existe 50% de chance de o dispositivo estourar e envenenar o gato, matando-o, e 50% de chances de nada acontecer e o gato continuar vivo. Feche essa caixa. Passados 30 minutos, o gato está vivo ou morto?

Resposta: vivo (e provavelmente, muito bravo!). 100% de certeza. Certo? E depois de uma hora? Bem, 50% de chances de ele estar vivo e 50% de estar morto. A partir daí, há uma sobreposição de estados (é assim que os físicos gostam de falar) vivo e morto do gato. Só saberemos se o gato está vivo ou morto se abrirmos a caixa (ou como os físicos adoram dizer: quando acontecer o colapso da função de onda). Para fins de comparação com o que foi discutido sobre o caso da emissão das partículas: lá, só sabemos se o comportamento será ondulatório ou corpuscular quando fizermos a experiência, ou seja, realizar a medição.

Compreendido? Eu diria que há uma sobreposição de estados de compreensão desse texto. Só quando acontecer o colapso da função de onda eu saberei se o que eu disse foi compreendido. Então, comenta aí para tirarmos essa dúvida! 

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¹ Grandeza física importante para a compreensão de colisões. É calculada, classicamente, multiplicando a massa do corpo por sua velocidade (Q = m.v). É comum, por exemplo, entre os comentaristas de futebol americano  se referirem ao “embalo” com que os jogadores carregando a bola adquirem quando correm como “momentum”.

REFERÊNCIAS

Tonomura A. The double-slit experiment. Physics World. 2002.

Hoppensteadt F. Applied physics: A new spin on nanoscale computing. Nature. 2017.

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