O Pantanal arde em chamas
As queimadas são, por muitas vezes, consideradas parte integrante do ecossistema. A utilização do fogo, embora contestada no meio científico, é uma realidade em muitas regiões tropicais e subtropicais. No entanto, o principal objetivo do uso programado do fogo é reduzir a quantidade de material combustível em áreas sujeitas a longos períodos de estiagem. Assim, diminui-se o risco de incêndios em intensas proporções. Em queimadas controladas, o efeito do fogo sobre a vegetação pode variar de acordo com as condições da vegetação no momento da queima, o tipo de solo da região, a frequência, entre outros. No Pantanal, por exemplo, as queimadas controladas fazem parte da rotina do ecossistema. Elas são empregadas anualmente, principalmente com o objetivo de aumentar ou acelerar a produção primária.
As queimadas no Pantanal
De acordo com a EMBRAPA (2002), o Pantanal é um bioma que apresenta a influência de outros quatro grandes biomas: Cerrado (70%), Floresta Amazônica (20%), Chaco (8 a 9%) e Florestas Meridionais (1%). A grande característica do Pantanal é a presença de cheias periódicas (anuais e plurianuais), que varia de local para local e de ano a ano, em função do volume de água e da duração. A inundação de água proveniente das chuvas e/ou do extravasamento dos rios é decorrente da baixa declividade da planície e da baixa profundidade do lençol freático, com rápida saturação dos solos e baixo escoamento das águas.
Recentemente, presenciamos inúmeras reportagens televisivas constatando o aumento das queimadas no Pantanal. Desse modo, surge a seguinte questão: “Será que essas queimadas no Pantanal são controladas? Ou essas queimadas recentes são criminosas?”. Para responder essa questão, vamos explorar os dados mais recentes.
Nos últimos anos, as queimadas no Pantanal aumentaram significativamente por inúmeros motivos, como os citados por Mendonça:
– aumento das atividades agrícolas e pecuaristas;
– ação humana ou antrópica;
– o clima tropical aliado ao tempo seco.
As queimadas e o desmatamento estão intimamente associados, pois realiza-se o desmatamento de áreas para a formação de pastagens. As queimadas são utilizadas, nesse contexto, para a adubagem e preparação do solo para a formação dos pastos. Além disso, de acordo com estudos realizados pela EMBRAPA (2002), as queimadas também podem ser empregadas para:
– controlar a invasão de plantas indesejáveis, como arbustos;
– remover a vegetação velha e fibrosa, rejeitada pelo animal;
– permitir a obtenção de mais espécies desejáveis na composição botânica da pastagem;
– estimular o crescimento em épocas em que ela não ocorre naturalmente e melhorar a qualidade da pastagem;
– prevenir incêndios pela remoção da vegetação seca e velha;
– destruir ectoparasitas (carrapatos e moscas do berne);
– facilitar a movimentação dos animais e ajudar na distribuição dos mesmos nas pastagens;
– estimular as gramíneas do pasto para a produção de sementes.
Triste aumento
Contudo, nos últimos anos, as queimadas no Pantanal aumentaram significativamente. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), as queimadas pantaneiras aumentaram 210% em 2020, quando comparado ao mesmo período do ano de 2019. Considerando o período de janeiro a setembro de 2019, 4660 focos de incêndio foram registrados; no entanto, em 2020, foram registrados 14489 focos. Até então, o recorde era de 12536 focos de incêndio, no ano de 2015, sendo superado nos sete primeiros meses deste ano.

As primeiras queimadas na região do Pantanal para a formação de pastagens foram percebidas em 1979, com o avanço da fronteira agrícola da região. No período de 1980 a 1990, pelo menos 1% da área teria sido desmatada para a formação de pastagens. Como o Pantanal apresenta uma região com muita concentração de água, pecuaristas brasileiros desenvolveram grandes polos de criação de rebanho bovino no país. Áreas de pastagens naturais formam-se na região, sendo utilizadas pelos pecuaristas no período da seca. Entretanto, no período das secas o rebanho fica sem pasto. Assim, os pecuaristas passam a formar áreas de pastagens nas regiões mais altas, realizando o desmatamento e incendiando os campos para que as cinzas contribuam com o enriquecimento e correção da acidez do solo. Em seguida, um novo plantio de capim é realizado, e, assim, novas áreas de pastagem são abertas para os rebanhos.
Os efeitos do fogo
A queima da biomassa pantaneira afeta diretamente o ciclo do carbono, pois modifica a química atmosférica global por meio da liberação de gases causadores do efeito estufa, principalmente o dióxido de carbono (CO2). Durante uma queimada, esse gás compõe aproximadamente 90% das emissões de gases liberados para a atmosfera. Essa liberação de carbono causa um impacto direto nas trocas radiativas na superfície, influenciando nas modificações climáticas, nos regimes de chuvas e de ventos.

Outro aspecto negativo do fogo na região pantaneira é a perda da biodiversidade. A região apresenta riquíssima fauna e flora, as quais sofrem com a ocorrência de queimadas, como aves, répteis, mamíferos, peixes e insetos. Consequentemente, com a perda da biodiversidade, também ocorre o desequilíbrio do ecossistema, das cadeias alimentares e o empobrecimento do solo. Além disso, com a alteração significativa no regime de chuvas e ciclo natural da água, as queimadas podem interferir em outros biomas, como a Amazônia, reduzindo os ciclos naturais de chuva.
É preciso cuidar do bioma
Até o momento, as queimadas pantaneiras contribuíram com a perda de 15% da cobertura vegetal original, afetando drasticamente o bioma. Cerca de 2,2 milhões de hectares foram queimados no Pantanal, área correspondente a quatro vezes o Distrito Federal, e semelhante ao tamanho do estado de Sergipe. Mato Grosso e Mato Grosso do Sul perderam juntos mais de 1 milhão de hectares de floresta.
Dessa maneira, técnicas de monitoramento das queimadas precisam ser efetivas. Leis mais rigorosas também precisam ser elaboradas, com o intuito de conscientizar a importância do bioma. Além disso, as queimadas controladas devem ser feitas racionalmente, com a permissão dos órgãos correspondentes (IBAMA), e seguindo as recomendações técnicas.
REFERÊNCIAS
Cardoso EL et al. Efeitos da queima na dinâmica da biomassa aérea de um campo nativo no Pantanal. Pesquisa Agropecuária Brasileira, 2003.
Rodrigues CAG et al. Queima Controlada no Pantanal. EMBRAPA, 2002.
Zanotta DC et al. Detecção de queimadas no Pantanal a partir de classificação orientada a objeto e informações multiespectrais de sensoriamento remoto. EMBRAPA/INPE, 2010.
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