Ambiente e BiologiaSamuel Campos GomidesSociedade e Educação

O ensino de Evolução no Brasil

Hoje em dia a informação se dissemina muito rapidamente. Isso a torna mais democrática e acessível. No entanto, estamos vivendo tempos onde informações falsas ou deturpadas são repassadas como verdadeiras. A ciência tem sofrido com isso, especialmente em relação a temas mais polêmicos. Um exemplo é a relação de como as crenças religiosas afetam o entendimento de determinados tópicos científicos como a evolução dos seres vivos. Soma-se a isso uma educação deficitária. Conclusão: temos uma série de pontos que irão dificultar o entendimento e o ensino de Evolução.

Nessa era de compartilhamento de informações na internet onde não se checa as fontes ou os dados, estamos expostos a todo tipo de incertezas sobre o que é verdade ou não. Cada vez mais vemos circular com facilidade boatos e falsas informações, além de conceitos completamente errôneos sendo adotados como verdadeiros. Por isso, aquela velha e boa dica nunca deve ser deixada de lado:

1) sempre devemos conferir a fonte da informação (página oficial ou algum jornal),

2) ler a reportagem completa,

3) verificar se a notícia é atual, e

4) procurar mais de uma fonte de informação para se certificar corretamente.

 

Teoria científica

Muitas pessoas argumentam que a evolução é “apenas” uma teoria. No entanto, você sabe mesmo o que é uma teoria científica? Uma teoria científica está muito longe daquela “teoria” que você tenta formular para justificar a derrota da seleção brasileira por 7×1 contra a Alemanha na copa de 2014. Uma teoria científica é embasada em dados (ou evidências) de diversas pesquisas feitas por múltiplos pesquisadores de forma independente ao longo dos anos. Não é “achismo”, suposição, palpite, ou crença.

Segundo Karl Popper, um dos mais importantes filósofos da ciência, mesmo que nós acharmos diversas provas sustentando hipóteses prévias, não temos garantia que ela seja de fato a verdadeira, ou imutável. Pois basta apenas uma evidência contrária para que ela desmorone. Consequentemente, como cientistas, devemos tentar de todas as formas, falsear nossas hipóteses prévias tentando refutá-las. Isso é o princípio da falseabilidade.

Dessa forma, as teorias científicas são sustentadas por um grande número de evidências, que podem persistir por um longo tempo, ou para sempre, mas estamos sempre testando métodos e a inclusão de novos dados para corroborar as hipóteses ou derrubá-las posteriormente.

Uma teoria não é menos importante que uma lei. Teorias explicam fenômenos da natureza. As leis são descrições desses fenômenos. Uma das melhores explicações vem de um dos autores mais renomados sobre o tema, Douglas J. Futuyma: “Na linguagem do dia-a-dia, “teoria” muitas vezes significa uma hipótese ou mesmo uma mera especulação. Só que em ciência, “teoria” significa “uma proposição do que é sustentado como sendo as leis gerais, princípios ou causas de algo conhecido ou observado”.

 

O ensino de Evolução

Quando o assunto é a evolução da vida no planeta, a população tem uma série de erros conceituais e visões distorcidas. Isso se deve provavelmente ao antagonismo que alguns dogmas religiosos fazem aos conceitos da Evolução e, principalmente,a baixa qualidade e falta de estrutura do sistema educacional brasileiro. Esse embate é claro em assuntos como: quando surgiu a vida, como ocorreu a evolução da vida no planeta, quando surgiu o ser humano, dentre outros. Embora avanços quanto a universalização do acesso a educação tenha melhorado bastante em relação a 40 anos atrás, sobretudo no que concerne ao ensino superior, ainda estamos muito longe dos países desenvolvidos.

A falta de hábito de leitura dos brasileiros, por exemplo, pode ainda piorar a defasagem educacional. Em uma pesquisa realizada pelo Ibope a pedido do Instituto Pró-Livro, apenas pouco mais da metade dos brasileiros tem o hábito da leitura de livros. Os que leem, leem somente cerca de 5 livros por ano. E além disso, somente metade dos livros são lidos até o final. Pouquíssimas pessoas têm o hábito de ler nosso país, ou são estimuladas em casa a ler.

O ensino de Evolução no Brasil ainda não está em uma situação caótica como a Turquia, que adotará a partir de 2018 uma postura extremamente retrógrada ao banir o ensino da evolução por a considerar um assunto “muito controverso”. Mesmo assim, grande parte dos nossos alunos (e até mesmo de alguns professores) têm dificuldade de explicar o tema. Sobretudo nos ensinos fundamental e médio. Aliás, esse não é o único assunto onde há caos. Como dito em um texto anterior, as mudanças climáticas são entendidas por muitas pessoas, como apenas um aquecimento do planeta.

 

Então vamos esclarecer alguns pontos sobre o ensino da Evolução:

 

  1. Afinal, a evolução ocorre nos indivíduos ou populações?

Uma pesquisa mostrou que metade dos professores do ensino médio não sabia que a evolução agia nas populações e não nos indivíduos. Cerca de 60% dos professores de biologia de ensino médio (uma pesquisa feita em Brasília) disseram que tem dificuldades para ensinar evolução para os alunos. Quando o assunto se torna mais complexo, a ignorância sobre o tema também aumenta. Cerca de 70% dos alunos de ensino médio não acreditam ou não sabem que espécies diferentes podem ter no passado um ancestral em comum. E quando indagados se os dinossauros conviveram com os seres humanos (inclusive podendo atacá-los), cerca de 62% acreditam na informação ou não sabem responder sobre o tema. Na verdade, os grandes dinossauros foram extintos muitos milhões de anos antes da origem do humano moderno.

Um indivíduo nasce com suas características genéticas e morre com elas. Os processos de seleção das mutações vão ocorrer na verdade, é na população. Uma vez que a variabilidade genética que vai sofrer a seleção ou não está contida na população.

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  1. Por que o ensino tradicional não ajuda no aprendizado da evolução?

São vários os fatores que podem levar a confusão na hora de lecionar evolução. Um dos pontos é a forma como o conteúdo é colocado em livros e organizado em disciplinas. Aprendemos sempre dos organismos estruturalmente mais simples para os mais complexos. No caso dos vertebrados, começamos nos grupos dos peixes e terminamos nos mamíferos. Isso reforça o conceito errôneo de evolução ser sinônimo de progresso linear.

Muitas vezes, as aves são abordadas em um contexto separado dos demais répteis. Isso torna difícil a compreensão do fato de que elas compartilham um ancestral em comum com esses animais. Portanto, elas descendem de um grupo de dinossauros, e devem ser consideradas como pertencente ao clado (ou linhagem evolutiva) que inclui os crocodilianos, lagartos, serpentes, tartarugas e outros répteis.

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  1. Como funciona a seleção natural?

Uma das maiores contribuições do trabalho de Darwin sobre a evolução, foi a introdução do conceito de Seleção Natural. Muitas pessoas acreditam que essa seleção seja ao acaso, randômica, que poderia acontecer pela mera sorte. Negativo. A mutação gênica ocorre ao acaso. Logo, o surgimento dos fenótipos oriundos dessas mutações são aleatórios. A seleção natural age através de favorecimento na transmissão de características já pré-existentes dentro da variabilidade da espécie (nas populações), onde fatores ambientais podem exercer a pressão evolutiva e selecionar algumas características em detrimento de outras.

Outro erro conceitual é sobre a evolução ser linear, “pra frente”, uma “marcha para a perfeição”. Quem nunca viu aqueles desenhos onde uma fila de primatas caminhando começa na esquerda com um chimpanzé, e termina no ser humano? Ou começa em um peixe e termina em um ser humano?

Não é assim que a evolução acontece… E mais: nós não viemos dos chimpanzés ou gorilas! Isso mesmo! Na verdade, nós temos ancestrais em comuns com essas espécies.

4. Por que a espécie humana não é mais evoluída que outras, como por exemplo um pequeno microrganismo aquático?

Todas as espécies que vivem atualmente no planeta Terra possuem o mesmo sucesso na arte de sobreviver. Os Tardigrada, por exemplo, um grupo de pequenos invertebrados microscópicos que vivem normalmente em musgos, conseguem sobreviver do zero absoluto (-273°C) até os 150°C, suportam altas pressões, cerca de 1000 vezes mais que um ser humano pode suportar, podem perder quase toda a água do corpo quando se desidratam, e até mesmo sobreviver no vácuo do espaço sem nenhuma proteção. Isso que é preparo para sobreviver de verdade, não usar um belo casaco para viajar para serra no inverno. Tanto o Tardigrada, como nós temos o mesmo sucesso evolutivo.

A vida no planeta é cíclica, com espécies surgindo e se extinguindo constantemente, como visto no post sobre extinções em massa.

 

Mais educação!

Para melhorarmos a compreensão desse tema tão importante, precisamos treinar melhor nossos professores, fornecendo formação complementar, workshops temáticos, material atualizado e oficinas de reciclagem constante. Aquele velho papo de que evolução é apenas uma teoria, não é válido. Por isso também é importante introduzir esse tópico na educação básica e superior.

Precisamos ensinar aos nossos alunos como funciona a proposição de uma hipótese, a metodologia científica, os testes de hipótese, e a concepção de um trabalho científico. Precisamos mudar a forma como os conteúdos são transmitidos. Precisamos torná-los mais atraentes. Com isso, poderemos despertar principalmente o senso crítico e investigativo dos estudantes.

Para mudar a educação do país, precisamos evoluir a nossa forma de educar!

 

REFERÊNCIAS

Failla Z. Retratos da leitura no Brasil 4. Rio de Janeiro: Sextante, 2016.

Oleques LC, Bartholomei-Santos ML, Boer N. Evolução biológica: percepções de professores de biologia. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias Vol 10, Nº 2, 243-263 (2011).

Pazza R, Penteado PR, Kavalco K. Misconceptions About Evolution in Brazilian Freshmen Students. Evo Edu Outreach. 2010.
Tidon R, Lewontin RC. Teaching evolutionary biology. Genetics and Molecular Biology. 2004.
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