Ambiente e BiologiaSamuel Campos Gomides

Fluorescência: animais que brilham no escuro!

Muitas pessoas são reconhecidas por serem brilhantes naquilo que fazem: um renomado cozinheiro, um excelente arquiteto ou um corajoso policial. Outras pessoas possuem um brilho próprio: uma alegria e simpatia contagiantes, além de uma personalidade forte que as destacam frente às demais. Mas você conhece alguém que, literalmente, brilha? Isso mesmo: emite luz do corpo?! Alguns animais terrestres podem brilhar no escuro! Mais que um brilho qualquer, eles são fluorescentes!

Quais são os animais que brilham?

Esses animais, quando submetidos a luz ultravioleta (UV), emitem um brilho fluorescente muito evidente, normalmente indo do azul ao amarelo. Uma descoberta recente inclui duas pererecas brasileiras que possuem essas características. Uma delas é a Hypsiboas punctatus, que habita grande parte da América do Sul e foi descrita por Taboada e seus colegas. O mesmo grupo de pesquisadores também confirmou a fluorescência em outra perereca brasileira, a Boana atlantica, que vive nas florestas de Mata Atlântica do litoral nordestino (da Bahia a Pernambuco). Esse é o primeiro registro de um anfíbio que literalmente possui um “brilho” próprio.

Figura 1: anfíbio fluorescente.

A bioluminescência já é bem relatada em alguns grupos de animais. Algumas águas-vivas, vaga-lumes, pequenos crustáceos, protozoários, cefalópodes (moluscos da classe dos polvos), peixes de profundezas oceânicas e ctenóforos (chamada de água-viva-de-pente, mas que não é uma água viva) processam compostos químicos que são capazes de produzir luz. O escorpião já era também bem conhecido por brilhar sob luz UV, além de algumas tartarugas e aves. Entretanto, dentre os vertebrados tetrápodes esse fato ainda é pouco estudado.

Como funciona esse efeito?

A fluorescência é uma troca de energia físico-química onde uma molécula absorve fótons em comprimentos de onda menor e a retransmite em fótons de ondas de comprimentos mais longos e com menos energia. Ela difere da bioluminescência, por ser não ser oriunda de reações químicas. Leia mais sobre as diferentes propriedades desses efeitos nas referências ao final do texto.

O trabalho de Taboada e seus colegas em 2017 submeteu os animais a luz UV e, em consequência, esses espécimes mostraram um brilho bem marcante. Embora não se saiba exatamente qual a função desse brilho, os pesquisadores acreditam que esse comportamento esteja envolvido principalmente na comunicação entre os indivíduos, na camuflagem, proteção contra excesso de sol e atração de parceiros.

Vale lembrar que os anfíbios são ativos no período noturno e recebem apenas a luz da lua e das estrelas. Então, no meio da escuridão da floresta, qualquer forma que facilite encontrar um parceiro para reprodução pode ser vital para sobrevivência da espécie. Esse brilho próprio seria um belo aditivo às suas armas de conquista de parceiros.

Além de serem excelentes cantores e poderem possuir feromônios, os anfíbios agora são reconhecidos pela sua “roupagem” destacada.

As reações que produzem o efeito fluorescente

Nessas pererecas, a fluorescência é ativada por três moléculas (hyloin-L1, hyloin-L2 e hyloin-G1) que são encontradas em secreções glandulares exócrinas da pele e do fluido linfático. Essas moléculas possuem a suas estruturas em formato de anel e uma cadeia de hidrocarbonetos, e são únicas entre as moléculas fluorescentes conhecidas em animais. Entretanto, algumas plantas possuem substâncias similares.

A quantidade de luz emitida por esses pequenos anfíbios é incrível: cerca de 18% da luz recebida de uma lua cheia, ou cerca de 30% da luz do crepúsculo. Estima-se que de acordo com as características da primeira espécie estudada, haja pelo menos 281 outras espécies com o mesmo potencial de fluorescência, dado as similaridades anatômicas e também a proximidade filogenética (parentesco evolutivo).

Outro estudo que envolveu grupos de camaleões africanos encontrou um mecanismo de fluorescência similar. Entretanto, as estruturas fluorescentes mais evidentes são os tubérculos ósseos presentes principalmente na região cefálica dos animais. É provável que o brilho nesses lagartos também esteja relacionado aos mecanismos de comunicação e atração de parceiros.

Outras formas de fluorescência

Formas artificiais de fluorescência também existem. Alguns cientistas costumam acrescentar genes no genoma de cobaias animais (tornando-os fluorescentes), para avaliar os efeitos desses componentes nos organismos. Essa é uma forma de analisar a atividade desses genes, que não modificam características externas visíveis nesses animais; dessa maneira é possível verificar se o gene está “funcionando” corretamente nos animais estudados. Cachorros, gatos, macacos, ratos, coelhos e vários invertebrados já foram usados como modelos nesses estudos.

Estudos como esse podem ajudar no desenvolvimento de novos compostos sintéticos em escala industrial para produtos fluorescentes inéditos, como sinalizadores e produtos que precisam de luz a noite, como relógios, fitas marcadoras e até aquela tomada que a gente procura no meio do quarto escuro para recarregar o celular.

Figura 2: a pesquisa com bioluminescência pode contribuir para o desenvolvimento de objetos que brilham no escuro.

Com quase 7800 espécies de anfíbios e 6400 lagartos no mundo, provavelmente esses não são os únicos a brilhar no escuro, não é? Será que no seu quintal ou em um parque próximo a sua casa tem algum tesouro vivo que brilha? O que a megadiversidade brasileira ainda nos reserva de novidades? Vamos conhecer e preservar e, assim, descobrir todo esse fascinante mundo da nossa natureza!

REFERÊNCIAS

Marshall J, Johnsen S. Fluorescence as a means of colour signal enhancement. Philosophical Transactions of the Royal Society B. 2017.

Prötzel, D, M Heß, Scherz MD, Schwager M, Padje A, Glaw F. Widespread bone-based fluorescence in chameleons.  Scientific Reports. 2018.

Taboada C, Brunetti AE, Pedron FN, Carnavale Neto F, Estrin DA, Bari SE, Chemes LB, Lopes NP, Lagorio MG, Faivovich J. Naturally occurring fluorescence in frogs. Proceedings of the National Academy of Science. 2017.

Taboada C, Brunetti AE, Alexandre C, Lagorio MG, Faivovich J. Fluorescent frogs: A herpetological perspective. South American Journal of Herpetology. 2017.

Lamb JY, Davis MP. 2020. Salamanders and other amphibians are aglow with biofluorescence. Scientific Reports. 2020.

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