André BarcellosTecnologia

Física na Cozinha: mais gelo, mais rápido!

Eu, como todo bom sedentário (temporário!), elegi a cozinha como meu cômodo preferido! Além do óbvio, é lá que eu faço meus experimentos científicos-culinários. Este texto inaugura uma série de artigos sobre alguns fenômenos físicos interessantes que podem ser vistos aí na sua cozinha: é a Física na cozinha. O tema do texto de hoje é: como produzir gelo mais rápido!

No final da década de 70, na Tanzânia, um aluno de ensino médio chamado Erasto Barthlomeo Mpemba fez uma descoberta impressionante enquanto produzia picolés: água quente, por volta de 50ºC, congela mais rapidamente que água fria quando colocada em um congelador! Esse fenômeno é conhecido como efeito Mpemba, em homenagem ao jovem cientista.

O gráfico abaixo ilustra esse comportamento da água inusitado com duas amostras de mesma massa de água a temperaturas diferentes. A curva em vermelho representa água quente enquanto que a curva em azul representa água fria. Perceba que a curva em vermelho chega em 0ºC por volta de 12390 segundos enquanto que a água fria só congela aos 16815 segundos. Quase uma hora e meia depois!

Gráfico retirado do site Wikipedia:
Por que isso acontece?

Mais uma vez, como quase tudo em ciências, não há uma resposta única e, nesse caso, o problema continua em aberto. Na verdade, o efeito Mpemba deve ser um conjunto de fenômenos físicos que colaboram para o congelamento acelerado.

O primeiro fator que contribui para o congelamento precoce é a perda de massa por conta da evaporação. Se você colocar água para ferver para cozinhar macarrão, por exemplo, percebe-se que, antes dela borbulhar, um vapor d’água “escapa” da panela. Já viu isso acontecer? Ora, se há água, mesmo que na forma gasosa, escapando da panela então a massa de água na panela diminui! Pense agora em colocar essa água quente (ainda não fervida) numa forminha de gelo dentro do congelador. Ainda haverá vapor d’água escapando, o que acarretará em uma diminuição de massa. Está claro que quanto menor a massa de água, mais rapidamente ela se congelará. Contudo, esse fator ainda não é suficiente para explicar o fenômeno por completo. Isto porque a massa perdida por evaporação é bem pequena em relação a amostra inicial.

Outro fator que contribui decisivamente para o efeito Mpemba é a convecção gerada pela diferença de temperatura interna da amostra de água. Para entender o que isso significa, observe a figura a seguir e as explicações sobre ela:

Correntes de convecção são movimentos internos causados pela diferença de temperatura interna. Você já deve ter reparado, por exemplo, que os aparelhos de ar condicionado são instalados próximos ao teto. Isto acontece porque o ar mais frio (e mais denso) tende a descer e, consequentemente, o ar quente (menos denso) tende a subir. O mesmo raciocínio vale para o ar condicionado. O ar frio que desce é esquentado pelo calor do seu corpo e de outras fontes térmicas (equipamentos eletrônicos, bichos de estimação, etc) e volta a subir, sendo resfriado em seguida. Esse processo volta a acontecer enquanto o ar condicionado está ligado (e um tempo depois de desligado, até atingir equilíbrio térmico).

No caso do aquecimento da água na panela (representado pelas setas vermelhas verticais na parte de baixo da figura acima), a parte de baixo da água fica mais quente que a parte de cima. Logo, essa porção de água quente sobe, certo? Ao entrar em contato com o ar frio na parte de cima da amostra de água, é trocado calor (da água para o ar) e a água é resfriada (é nesse momento que o vapor de água é liberado). Água fria tende a descer… deu pra entender o que acontece?

Quando despejarmos essa água em convecção na forminha de gelo dentro do congelador, iremos verificar que a porção mais fria de água ficará no “fundo”, fazendo com que o gelo seja formado primeiro embaixo e depois em cima.

Um exemplo da natureza!

Não é muito comum aqui no Brasil, mas você certamente já viu em filmes e séries de TV, lagos congelados. Tente se lembrar como os lagos congelam… Lembra que o gelo é formado na parte de cima do lago e, debaixo dele ainda há água líquida? É exatamente essa configuração (gelo na parte de cima, e água líquida na parte de baixo) que permite que os peixes e bichos aquáticos sobrevivam ao inverno. Isso acontece porque o gelo é um excelente isolante térmico (vide os iglus dos esquimós). Esse fenômeno, não é desejável se você quer fazer gelo, não é mesmo? Bem, graças às correntes de convecção intensas criadas pela água quente, o gelo é primeiramente formado embaixo, evitando esse “problema”!

Mesmo o fator da convecção não explica totalmente o efeito Mpemba. Isso foi mostrado por Vynnycky e Kimura em seu trabalho “Can natural convection alone explain the Mpemba effect?” (em português: A convecção natural pode explicar o efeito Mpemba?). Há de ser considerado fenômenos de cristalização e supercongelamento, como demonstrado por Jin e Goddard no artigo publicado na revista The Journal of Physical Chemistry C, por exemplo.

Para mim, o mais bonito dessa história não é nem o efeito Mpemba e suas curiosas explicações. O mais interessante mesmo é o exemplo de como uma pessoa curiosa e observadora, como o menino picoleiro da Tanzânia, pode contribuir para o desenvolvimento científico, mesmo que ela não tenha formação nem condições ideais. Quem sabe você daqui a alguns anos não tenha notícias do Barcellos’s effect...

E você, já pensou em compartilhar suas observações sobre a natureza?

 

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REFERÊNCIAS

Jin J. Goddard III, WA. Mechanisms underlying the Mpemba effect in water from molecular dynamics simulations. The Journal of Physical Chemistry C. 2015.

Vynnycky M, Kimura S. Can natural convection alone explain the Mpemba effect?. International Journal of Heat and Mass Transfer. 2015.

Ball, P. Does hot water freeze first?. Physics world. 2006.

 

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