EntrevistaPriscila Ortega

Eureka entrevista: Rachel Trajber do projeto Cemaden Educação

Rachel Trajber do projeto Cemaden Educação.

Com a chegada do verão, as chuvas se intensificam, assim como os desastres naturais. Por isso, é de suma importância a conscientização e prevenção da população que vive em áreas de risco. Mas, conscientizar não é tão fácil quanto parece! Assim, trabalhar com projetos que visam esse objetivo se tornou a melhor solução. O Eureka Brasil entrou em contato Rachel Trajber do projeto Cemaden Educação, responsável pela Campanha #AprenderParaPrevenir.

Rachel Trajber é responsável pelo projeto Cemaden Educação. Esse projeto está alocado no Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais / MCTI, desde 2014. É Doutora em Antropologia pela Purdue University (1988), com revalidação na UFSCar (2014). Foi Coordenadora-Geral de Educação Ambiental / MEC (2004 a 2012). Sua atuação principal ocorre na Educação Ambiental, Sustentabilidade e Mudanças Climáticas. Ela está ligada, principalmente, com a Educação para a Redução de Riscos de Desastres e Políticas Públicas.

 

Conte-nos mais sobre o Cemaden. Como ele foi criado e quais as atuações desse órgão governamental?

Cemaden é o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden). Orgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Foi criado em 2011, após a ocorrência do pior desastre do Brasil, na Região Serrana do Rio de Janeiro com o registro de 947 mortes. Foram mais de 300 pessoas desaparecidas e milhares de desalojados e desabrigados. Além disso, houve severas perdas econômicas, destruição de moradias e infraestrutura, em decorrência de enxurradas e deslizamentos.

O Cemaden tem como missão realizar o monitoramento das ameaças naturais em áreas de riscos. Esse monitoramento ocorre em municípios brasileiros suscetíveis à ocorrência de desastres naturais. Além disso, realiza pesquisas e inovações tecnológicas que possam contribuir para a melhoria de seu sistema de alerta antecipado, com o objetivo final de reduzir o número de vítimas fatais e prejuízos materiais em todo o país.

 

Como surgiu a oportunidade de trabalhar com educação? Como o Cemaden está envolvido em projetos educativos?

O Cemaden Educação veio da importância da prevenção de desastres, mudanças no clima e redução de riscos começar a enraizar na sociedade. Criado em 2014 como um projeto piloto, o Cemaden Educação começou em três escolas, duas de uma mesma bacia hidrográfica e uma do litoral. Agora tem escolas participantes no Acre, no Maranhão, em Minas Gerais, entre outros.

A ideia é que cada escola parceira se torna um Cemaden micro-local, um espaço de realização de pesquisas, monitoramento e compartilhamento de dados, além de fazer a gestão participativa de intervenções com sua comunidade. Com isso, o projeto busca contribuir para a prevenção de riscos de desastres socioambientais no amplo contexto da educação ambiental e da construção de escolas sustentáveis e resilientes.

O projeto foi pensado para dar respostas a prioridade de propiciar ações socioeducativas para prevenção de riscos de desastres

 ambientais, uma ação acordada em documentos internacionais como a Convenção sobre Mudança do Clima e, especialmente, os Marcos de Ação de Hyogo e Sendai (UNISDR, 2005 e 2015), e também em consonância com os marcos legais nacionais.

O Cemaden Educação atua junto às escolas localizadas em municípios vulneráveis a desastres, defesas civis, órgãos não governamentais e instituições de interesse educacional. Trata-se da utilização criativa das novas tecnologias de informação e comunicação em três eixos complementares:

  • Ciência cidadã: pesquisa, coleta de dados locais, analise e disponibilização de resultados em rede;
  • Compartilhamento de informações: por meio de um sistema colaborativo (crowdsourcing) entre as escolas participantes;
  • Com-VidAção: Comissão de Prevenção de Desastres e Proteção da Vida, envolvendo escola, comunidade, defesa civil entre outros atores sociais para a gestão participativa de intervenções na comunidade.

A Campanha surgiu em 2016 em lembrança do Dia Internacional da Redução de Desastres Naturais (13 de outubro) da Organização das Nações Unidas (ONU). A Campanha #AprenderParaPrevenir visa mobilizar as escolas e difundir a cultura da prevenção, também identificar, mapear, divulgar e valorizar propostas e práticas pedagógicas desenvolvidas no Brasil.

O enfoque é convidar a sociedade a se engajar na Redução de Riscos de Desastres, uma temática emergente e emergencial voltada para a melhoria da qualidade de vida das nossas comunidades.

 

Como essa é a 3ª edição da Campanha #AprenderParaPrevenir, conte-nos um pouco mais sobre as campanhas anteriores. Quais os principais resultados encontrados?

A primeira edição da Campanha #Aprenderparaprevenir foi desenvolvida em 15 dias, com uma parceria com a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE-SP) e a Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa Civil de São Paulo (CEDEC). Tivemos a participação de 53 escolas do Ensino Fundamental e Ensino Médio de cinco Estados do Brasil (AC, MG, PE, RJ e SP) por meio do envio de fotos/vídeos produzidos ou ideias de novos projetos sobre a temática.

Alguns exemplos de boas práticas identificadas:

A Escola Estadual Prof. Florentina Martins Sanches em Ubatuba/SP, já aborda a prevenção de riscos de desastres naturais desde 2011. A escola possui parcerias com a Defesa Civil Estadual e com o Instituto Geológico SMA/SP, esta ultima instituição já colaborou na iniciação cientifica de 10 estudantes do Ensino Médio em duas linhas de pesquisa: 1) análise e perigo de inundações e movimentos de massa em escolas de Ubatuba com base em Sistema de Informação Geográfica e 2) monitoramento de áreas de risco de escorregamento de terra, situadas nas comunidades do entorno da escola.

A Escola Estadual Prof. Expedito Camargo Freire em Campos do Jordao/SP mostrou uma iniciativa desenvolvida em parceria com o Comitê de Bacia Hidrográficas da Serra da Mantiqueira (CHB-SM) e a defesa civil do município. Inicialmente foram realizadas ações formativas sobre prevenção de riscos de desastres voltadas para os alunos. Em seguida, foi realizado um trabalho de campo a fim de identificar as áreas de risco no entorno da escola. Esse trabalho pretendeu construir um plano de ação para contribuir com a formação de agentes multiplicadores.

Já a segunda edição foi desenvolvida pelo Cemaden Educação e abriu a oportunidade das Defesas Civis participarem também. Contamos com um total de 67 inscrições, 24 de Defesas Civis e 43 de escolas de 14 Estados.

“Nesta 2ª edição da campanha, podemos destacar, além do aumento do número de Estados participantes, também a importante participação das Defesas Civis que atuam em projetos e ações educativas na comunidade escolar”, aponta a coordenadora do Cemaden Educação, pesquisadora Rachel Trajber.

Figura 1: Para ilustrar as experiências inscritas, destacamos a Escola Municipal Professora Guiomar Aparecida da Conceição Sousa do município de São Sebastião/SP, ganhadora do Prêmio de Mérito na categoria Escola.

No projeto interdisciplinar “Águas de Março fechando o verão”, a escola estabeleceu conexões entre as atividades educativas com a redução de risco de desastres. Isso aconteceu com enfoque para a realidade local, agregando as dimensões humanas ao conhecimento científico sobre a temática. Abordou os efeitos da chuva nas casas em áreas de risco, desenvolveu entrevistas com a comunidade. Também promoveu saídas de campo em áreas de deslizamento, maquetes e coleta de dados de chuva diariamente.

Links:

http://www.cemaden.gov.br/escolas-recebem-a-premiacao-da-campanha-aprenderparaprevenir-na-sede-do-cemaden/

http://www.cemaden.gov.br/resultado-da-2a-campanha-aprenderparaprevenir-mostra-expansao-do-trabalho-de-prevencao-de-desastres-nas-escolas/

 

O Cemaden conta com parcerias para o desenvolvimento dos projetos e campanhas? Como as parcerias ocorrem?

Sim, as parcerias são fundamentais para as ações do Cemaden Educação ganhar escala nacional. As campanhas nos proporcionam um contínuo movimento de identificação de novos parceiros institucionais e regionais.

A campanha tem contado com apoio de divulgação do Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed) e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Também conta com o apoio de Secretarias Estaduais de Educação, Defesas Civis Estaduais e Municipais que nos acompanham nas redes sociais.
Um novo público que estamos aos poucos descobrindo são os jovens que divulgam ciência. Principalmente àqueles em seus blogs e canais no Youtube. Por exemplo, o Rock com Ciência da Universidade Federal de Viçosa produziu um podcast sobre redução de riscos de desastres.

Link:

http://www.rockcomciencia.com.br/arquivos/3217

 

Qual a maior dificuldade encontrada para a elaboração e desenvolvimento de projetos educativos?

Existem várias dificuldades a serem enfrentadas por essa temática que chamamos de emergente, que surgiu há relativamente pouco tempo. Os professores e professoras não recebem formações consistentes sobre as questões relacionadas à educação ambiental (EA) como as mudanças climáticas, seus impactos no Brasil e no planeta, o aumento de eventos extremos com tragédias socioambientais, a vulnerabilidade aos desastres dificilmente chega às escolas.

A Base Nacional Comum Curricular recém promulgada para o ensino fundamental ignora tanto a educação ambiental quanto a prevenção de riscos de desertos e delega a responsabilidade aos sistemas de ensino.

Precisamos “pensar bem além caixa”: criar novos modelos de políticas públicas, governança e gestão de processos de educação. Isto significa construir uma política progressista, inovadora, transformadora e integrada, na qual a educação, apoiada nos acúmulos, valores e experiências da EA, contribua para a construção do bem comum. Que o Brasil se prepare para responder aos desafios individuais, comunitários e sociais de redução, prevenção e mitigação dos impactos das mudanças climáticas e dos desastres socioambientais.

 

 

REFERÊNCIAS

Trajber R, Olivato D. A escola e a comunidade: ciência cidadã e tecnologias digitais na prevenção de desastres. In: Marchezini V, Wisner B, Saito SM, Londe LR. (Eds.) Reduction of Vulnerability to Disasters: from Knowledge to Action. São Carlos: Rima Editora, 2017.

Trajber R, Pimentel CT, Luz AEO, Olivato D, Saito SM. Educação na prevenção de desastres, uma temática emergente e emergencial. In: Magnoni Júnior L, Stevens D, Lopes ESS, Cavarsan EA, Vale JMF, Magnoni MGM, Figueiredo WS. (Org.). Redução do risco de desastres e a resiliência no meio rural e urbano. 1ed. São Paulo: Centro Paulo Souza, 2017.

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