Células revolucionárias: a história das iPS
Hoje nós vamos conhecer um pouco da história das células-tronco de pluripotência induzida (iPS, do inglês Induced Pluripotent Stem Cell). Essas células foram desenvolvidas como uma alternativa às células-tronco embrionárias. Há pouco mais 10 anos, as iPs foram tão revolucionárias que até renderam um prêmio Nobel! Vamos ver como isso aconteceu.
Como vimos no texto anterior , um novo movimento se iniciou após o sucesso do isolamento das células-tronco embrionárias. Era necessário descobrir como gerar células especializadas, tais como neurônios, células do músculo cardíaco, do sangue, e etc. Havia muito trabalho pela frente e o campo das células-tronco atraía cada vez mais pesquisadores. No entanto, os debates éticos continuavam pelo mundo afora, com os países tentando definir regulamentações.
Foi neste cenário que uma ideia alternativa surgiu. Seria possível gerar células pluripotentes, com as mesmas propriedades das células-tronco embrionárias, mas partindo de uma célula adulta, como a da pele, por exemplo?
Eis que as células voltaram no tempo….
Até então, aprendia-se em biologia celular que, uma vez que uma célula tivesse atingido um estágio final de especialização – ser uma célula da pele, do coração, do fígado – este estágio era irreversível. Pensando metaforicamente, seria como envelhecer. Uma vez que se atinge a fase adulta, ninguém volta a ser criança . Isto porque o processo de envelhecimento ocasiona transformações tão significativas no organismo, que não são possíveis de serem revertidas.
O mesmo acontece durante o processo de especialização das células que, tecnicamente, se chama diferenciação. Estas mudanças ocorrem em função da “programação” do DNA em cada célula, que resulta na ativação de alguns genes e no desligamento de outros. Terminado o processo de diferenciação, este estado é mantido durante toda a vida daquela célula.
Logo, a ideia de gerar células-tronco pluripotentes a partir de uma célula terminalmente diferenciada significava, na prática, fazer as células voltarem no tempo.
Reprogramar seu estado. Fazer o adulto virar criança. Pra você entender melhor o que isso significava para um biólogo celular, faça uma analogia com o filme “O curioso caso de Benjamin Button”. Lembra? Uma história que causa um misto de estranheza com “não é possível”. E o mais incrível é que este também era o sentimento do cientista que liderou o estudo, o japonês Shinya Yamanaka. Em entrevistas, Yamanaka disse que, no fundo, não sabia se o que estavam tentando fazer iria funcionar.

Como a reprogramação foi feita?

A estratégia foi simples.
Células da pele de camundongos foram infectadas com um retrovírus , que carregava 24 genes. Estes genes foram integrados ao DNA das células que, após algumas semanas, se modificaram, gerando colônias que se assemelhavam às células-tronco embrionárias. Quando viu as colônias, Yamanaka custou a crer e achou que devia ser um erro. Mas em todas as vezes subsequentes, o experimento funcionou.
Em poucos meses, os pesquisadores refinaram a estratégia e conseguiram diminuir a quantidade de genes transferidos para apenas quatro: Oct3/4, Sox-2, c-Myc e Klf-4. Os quatro responsáveis por fazer o relógio andar para trás. Os resultados foram publicados em agosto de 2006, na revista Cell.
No ano seguinte, Yamanaka e James Thomson – o “pai” das células-tronco embrionárias – publicaram simultaneamente, de forma independente, o sucesso da reprogramação de células humanas, nas revistas Cell e Science, respectivamente.
E o Nobel vai para…
Seguindo-se a publicação dos trabalhos com as iPS, a pesquisa na área das células-tronco cravou mais um marco. As possibilidades de aplicações que se abriram foram múltiplas. Estudos foram iniciados, abordando diversas faces do tema, tais como:
– Tornar a reprogramação mais eficiente. Embora funcionasse, menos de 0,1% das células eram reprogramadas.
– Substituir os retrovírus como forma de entrega dos genes às células. Este tipo de vírus promove a adição dos genes que estão transportando ao DNA da célula, o que gerava preocupações quanto à ocorrência de mutações.
– Substituir um dos genes usados inicialmente, o c-Myc, já que sua ativação, se descontrolada, pode ocasionar a formação de tumores.
– Entender as bases da reprogramação. Em outras palavras, que alterações esses genes estavam provocando nas células?
– Determinar quais células especializadas poderiam ser geradas a partir das iPS
– Verificar o quão similares as iPS realmente eram em relação às células-tronco embrionárias.
Isto tudo, sem contar as mesmas aplicações em que antes se pretendia usar as células-tronco embrionárias, porém sem os problemas éticos:
– Na modelagem de doenças.
– No teste e desenvolvimento de fármacos .
– No estudo de mecanismos do desenvolvimento embrionário.
– Como fonte de células pluripotentes para terapia celular. Só que, com uma vantagem: as células seriam paciente-específicas. Dessa forma, não haveria riscos de rejeição.
Como você pode perceber, as iPS ocasionaram uma verdadeira revolução na ciência biomédica. E não somente pelas possibilidades que se abriram, mas também pela quebra de um dos grandes dogmas da biologia celular. Não foi à toa que, em 2012, Yamanaka recebeu o prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina.
E o que aconteceu depois? As células-tronco embrionárias se tornaram tecnologia dispensável, obsoleta? A resposta para essa pergunta você encontrará no próximo post. Não perca! Até lá!
REFERÊNCIAS
Takahashi K, Yamanaka S. Induction of pluripotent stem cells from mouse embryonic and adult fibroblast cultures by defined factors. Cell. 2006.
Takahashi K, Tanabe K, Ohnuki M, Narita M, Ichisaka T, Tomoda K, Yamanaka S. Induction of pluripotent stem cells from adult human fibroblasts by defined factors. Cell. 2007.
Yu J, Vodyanik MA, Smuga-Otto K, Antosiewicz-Bourget J, Frane JL, Tian S, Nie J, Jonsdottir GA, Ruotti V, Stewart R, Slukvin II, Thomson JA. Induced pluripotent stem cell lines derived from human somatic cells. Science. 2007.
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